Entrevista 2001

No mundo das imagens - Entrevista sobre o livro O Quarto Iconoclasmo

Não se trata apenas de mais um livro. Arlindo Machado explora em O Quarto Iconoclasmo um tema caro a todos nós: quem somos? Uma das reflexões do professor Arlindo Machado, da ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP) e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), é sobre o papel do artista em uma época tecnocêntrica. Ele acaba de lançar O Quarto Iconoclasmo — e Outros Ensaios Hereges, pela Rios Ambiciosos, do Rio de Janeiro, um livro de ensaios sobre o homem, a cultura e a sociedade, e deu, por e-mail, esta entrevista exclusiva ao Jornal da USP. Quem conhece um pouco a trajetória desse pesquisador, que nasceu em Pompéia, no interior de São Paulo, em 1949, sabe que o livro não é nenhum tratado sociológico, mas sim uma coletânea de textos a respeito de temas preferenciais do autor do clássico A Ilusão Especular, esgotado há mais de dez anos: fotografia, cinema, TV e novos meios. Para ele, A Ilusão Especular, que definiu como um estudo da linguagem da fotografia, foi um dos livros mais influentes, junto com A Arte do Vídeo — "possivelmente o primeiro livro em português sobre a arte eletrônica" — e Máquina e Imaginário — "uma reflexão meio pesada sobre como pensar a cultura numa sociedade tecnológica". Morando em São Paulo há cerca de 30 anos, Machado é formado em Letras (português e russo) pela USP. Fez mestrado e doutorado em Comunicação na PUC-SP, onde, atualmente, coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e representa a área de Comunicação no CNPq. Também é professor da ECA, mas atualmente está afastado. Machado diz que tenta se manter atualizado nos vários campos em que atua, freqüentando eventos, festivais, encontros: "Onde a produção recente pode ser vista". Nunca é demais lembrar que ele fez fotografia e cinema, nos anos 70, e hipermídia, nos 80, posteriormente dedicando-se ao ensino e à pesquisa. Já publicou, além de O Quarto Iconoclasmo, El Paisaje Mediático (2000, em espanhol), A Televisão Levada a Sério (2000), Pré-Cinemas & Pós-Cinemas (1987), El Imaginario Numérico (1995, em espanhol), Video-Cuadernos (1994, em espanhol), Máquina e Imaginário: o Desafio das Poéticas Tecnológicas (1993), A Arte do Vídeo (1983), Rádios Livres: a Reforma Agrária no Ar (1985, em parceria com Fernando Barbosa Lima e Gabriel Prioli), A Ilusão Especular (1984) e Eisenstein — Geometria do Êxtase (1983). Jornal da USP — Barthes afirmou em sua aula inaugural no Collège de France (a famosa Leçon) que o homem não fala a língua, mas é por ela falado. Foucault, não assumidamente, sugeriu (já que ele afirmou não ter dito), em 1969, na conferência intitulada "O que é um autor?", lembrando Beckett, que não importa quem fala. Percebe-se uma tendência estruturalista em Barthes e Foucault de negação do homem, do sujeito e, portanto, do autor. Como o senhor se posiciona em relação ao autor, hoje em dia, no que diz respeito "à natureza da intervenção artística numa época marcada pelo tecnocentrismo"? Ou, em outras palavras: o autor está morto? Arlindo Machado — Autoria é um conceito moderno. Embora possamos encontrar "autores" em qualquer cultura ou época, é a partir do Renascimento que a "autoria" se transforma numa instituição. Grande parte das culturas egípcia, grega e romana, das catedrais góticas da Idade Média e das narrativas míticas não tem autor. Mesmo Homero, suposto "autor" da Ilíada e da Odisséia, é possivelmente um mito. Portanto, não podemos pensar o autor como algo essencial numa cultura, e se um dia esse conceito vier a desaparecer, não se vai perder grande coisa. As artes industriais e tecnológicas do presente tendem, cada vez mais, a se impor como artes coletivas. Quem é o "autor" de um videoclipe, de um programa de TV? Talvez estejamos voltando à mesma situação das artes tribais, em que os produtos culturais não são mais expressões de uma subjetividade particular, mas de uma sociedade, de um tempo. Barthes lamenta isso, não aceita que a língua fale por cima do homem, prefere o poeta individual, que é capaz de domar a língua e colocá-la a serviço de sua subjetividade. Foucault, pelo contrário, imbuído da idéia de que tudo é histórico, prefere prestar atenção aos grandes movimentos coletivos, de que somos, cada um de nós, ao mesmo tempo sujeitos e pacientes. Enfim, o "autor", no sentido renascentista e ocidental do termo, está longe ainda de estar morto, mas está morrendo de forma irreversível a cada dia e em cada obra. Que durma em paz! JUSP — Em relação às obras fundantes, o artista cujo critério de produção se direciona apenas no uso do aparelho tal qual o conhece não poderia ser, mesmo assim e também ele, original, ou apenas será um verdadeiro criador somente quando subverter continuamente a função da máquina que usa? Penso na nouvelle vague (movimento espontâneo do final dos anos 50 de diretores franceses defensores da "autoria" cinematográfica), mais especificamente em Truffaut, que teria se apoiado no maior conhecimento técnico de Henri Decae para a fotografia do longa-metragem de estréia, Os Incompreendidos, mas nem por isso, creio eu, deixou de fazer desse filme — Prêmio de Melhor Direção em Cannes — uma obra de arte. Machado — A coisa não é tão simples assim. O cinema ainda se situa na fronteira entre o artesanato e a indústria. Mas imaginemos um criador do nosso tempo, que utiliza aplicativos de computador, rotinas de programação, máquinas diversas de produção automática de imagens, sons e textos. Como ter garantias de que o resultado vai além da mera demonstração das virtudes do programa? Como garantir a liberdade e a criação numa época de automatismos e programação? O que era antes uma questão marginal (deve o artista dominar a engenharia dos instrumentos de que se utiliza?) se transforma agora na questão-chave da arte de nosso tempo. Não quero com isso dizer que o artista precisa conhecer programação para não ser ele próprio programado, mas ele deve de alguma forma resolver o problema de como continuar criando com máquinas que já lhe dão tudo pronto ou semipronto. Ele deve saber negociar com os técnicos e a tecnologia, se o que ele busca não é apenas contribuir para a festa multimídia, mas batalhar pela construção de uma ética e uma estética da era tecnológica. JUSP — Para Gilbert Durand (A Imaginação Simbólica), uma imagem é a forma de apresentação à nossa consciência de um objeto que não pode se apresentar concretamente à sensibilidade. Ou seja, nossa mente utiliza uma imagem sempre que a realidade é dificilmente representável. Durand vê no empirismo factual dos nossos dias um marco do horror à imagem. Portanto, londe de vivermos a era em que "uma imagem vale mais do que mil palavras", estamos vivendo, de novo, um tempo de iconoclasmo, pelo medo da imagem que remete a um indizível e invisível significado. Esta idéia de iconoclasmo com que trabalha Durand assemelha-se, em algum aspecto, à do senhor? Poderia explicar em que medida, tanto se a resposta for positiva quanto negativa? Machado — Durand trabalha com um conceito de imagem simbólica que deriva da filosofia de Cassirer. Eu trabalho com referências completamente diferentes, derivadas principalmente da semiótica de Charles Peirce. Ícone e símbolo são coisas antagonicamente diferentes para Peirce e para Cassirer/Durand. De qualquer maneira, este último, percorrendo caminhos completamente diferentes, chega a conclusões muito próximas das minhas, com relação ao delírio iconoclasta do atual ambiente intelectual. Só que Durand combate o racionalismo verbal para defender a imagem como manifestação do inefável, enquanto eu prefiro combater esses mesmo racionalismo mostrando, pelo contrário, que as imagens podem ser muito mais precisas, complexas, exatas, densas e por isso mesmo "científicas" que o discurso verbal. Ambos concordamos, de qualquer maneira, que a imagem tem pouco a ver com o mimetismo, no sentido platônico do termo.

PORTANOVA, Eduardo. "No mundo das imagens". Jornal da USP.

Ensaio Arlindo Machado, 2001

"Rafael França: A Obra como Testamento"


Rafael França: A Obra como Testamento


A obra personalíssima de Rafael França para meios eletrônicos permanece até hoje não apenas underground, no sentido de pouco vista e conhecida, como também uma lacuna na reflexão sobre a arte brasileira mais recente. A rigor, o único esforço sistemático de interpretação dessa obra continua sendo o denso volume organizado por Helouise Costa, "Sem Medo da Vertigem", e publicado pelo Paço das Artes em 1997.


Nesse sentido, a videografia de França demanda revisão urgente, para que se possa finalmente situar sua importância na história da videoarte, seja ela brasileira ou internacional. A súbita e inesperada redescoberta mundial da videoarte (na Bienal de Veneza deste ano o vídeo predominou como a principal linguagem de expressão dos jovens artistas) pode ser, quem sabe, um bom pretexto para avaliar a real contribuição desse artista gaúcho, falecido precocemente em 1991, antes de completar 34 anos e depois de deixar uma contribuição importante também nas áreas da pintura, gravura, performance, instalação, intervenção urbana, curadoria, crítica e reflexão sobre arte contemporânea.


A videografia de Rafael França é uma das mais coerentes e sistemáticas de toda a história de nossa arte eletrônica. Ela introduz e desenvolve temas e procedimentos com uma persistência e uma obsessão que não encontra paralelo em nenhuma outra obra nacional. É o caso de suas experiências com a narrativa de ficção. Amante da literatura, França adaptou para o vídeo o "Du Vain Combat" (1983) de Marguerite Yourcenar e o conto "Insônia" (1989) de Graciliano Ramos, além de ter realizado seu "Reencontro" (1984) sob clara influência do William Wilson de Edgar Allan Poe. A relação com a literatura é, aliás, um dos elos de ligação entre França e Gary Hill. Há, por exemplo, muitos pontos de contato entre a recriação de Graciliano Ramos por França em "Insônia" e a de Thomas L'Obscur de Maurice Blanchot em "Incidence of Catastrophe” (1987-88) de Hill: ambos partem da mesma situação inicial - os delírios de um homem que acorda no meio da noite e é acossado pelos fantasmas emergidos de seus pesadelos - para construir narrativas perturbadas, no limite mesmo da loucura. Também em "As If Exiled in Paradise" (1986), um escritor é aterrorizado pelas alucinações que brotam dos seus escritos, exatamente como o obscuro Thomas de Hill. A diferença, todavia, é que enquanto Gary Hill optou pela forma condensada e anagramática da poesia, França preferiu explorar o fluxo diegético da narrativa de ficção, segundo o modelo da prosa.


A narrativa em meio eletrônico é um tema particularmente problemático na videoarte. Na verdade, poucos foram os videoartistas que se aventuraram pelos terrenos da ficção. Nos seus 40 anos de história, a arte do vídeo acumulou poucas experiências narrativas realmente dignas de atenção, sobretudo se pensarmos a diegese num sentido distintivo, tanto em relação aos modelos narrativos canonizados pelo cinema, como em relação aos modelos serializados da televisão. No Brasil, particularmente, quase não temos incursões nessa área. Além de Rafael França, apenas Artur Matuck, Lucas Bambozzi e, até certo ponto, Eder Santos apresentam uma produção mais sistemática nessa direção. Em geral, no terreno da videoarte predominam o documentário (e sua forma mista: o docudrama), a performance ou o depoimento pessoal no estilo "primeira pessoa", as experiências plásticas de tendência abstrata, o ensaio e a reflexão sobre a própria arte, a paródia ou a crítica dos meios de massa, além de outros "gêneros" mais pessoais e esporádicos. Já houve um tempo, inclusive, em que se supôs que o vídeo não era um meio adequado a propostas narrativas, afirmação que, malgrado contestável no plano teórico, é ainda corroborada pela prática efetiva do meio.


Uma das vertentes mais ricas da obra de Rafael França é justamente a experimentação de alternativas criativas para a ficção videográfica. Pode-se mesmo dizer que, excetuando-se um raro exemplo de registro quase documental - "Prelude to an Announced Death" (1991) - e um documentário fake - "Without Fear of Vertigo" (1987) - os demais trabalhos de França são sempre experiências de invenção de novas formas narrativas para o vídeo, sem prejuízo, entretanto, dos aspectos confessionais ou autotestemunhais, básicos dessa obra. Não se espere, todavia, encontrar nos vídeos de França narrativas clássicas, à maneira de uma certa literatura ou de um certo cinema, nem mesmo narrativas mais abertas, de feição moderna, conforme os modelos da nouvelle vague ou do cinema de vanguarda. As narrativas de França são totalmente experimentais, absolutamente elípticas e fragmentárias, explorando coisas como o contraste dinâmico entre cortes muito rápidos e muito lentos, seqüências inteiras apresentadas quadro-a-quadro (como se fosse uma projeção de slides), faux raccords com planos seccionados em plena duração de uma frase, imagens fora de foco, ausência de sincronia entre som e imagem (diálogos sem sincronização labial), longos trechos em silêncio, uso de diferentes texturas de cores ou preto-e-branco e assim por diante.


Como princípio geral, França jamais recorre aos recursos de sedução consagrados pelo cinema e pela televisão. A mise-en-scène é completamente desdramatizada, a decupagem progride no sentido contrário do espetáculo, a descontinuidade é total. Imagens do Carnaval carioca, por exemplo, que teriam tudo para seduzir o espectador e evocar o exotismo local, resultam completamente desarticuladas em "O Silêncio Profundo das Coisas Mortas" (1988). Em geral, os personagens de França se apresentam diretamente à câmera, como se estivessem fazendo uma confissão ao espectador. Essa interpelação da platéia através do ponto de vista frontal da câmera e o olhar direto à lente transforma o espectador em interlocutor, produzindo um certo desconforto visual, já que não é normal que personagens de ficção se apresentem assim numa narrativa. Por sua vez, o uso de diálogos invertidos (apresentados de trás para a frente), como em vários momentos de "Reencontro", é outro traço em comum com a obra de Gary Hill, conforme o uso de palíndromos sonoros em "Why Do Things Get in a Muddle?" (1984) e "Ura Aru" (The Backside Exists) (1985-86).


"O Profundo Silêncio das Coisas Mortas" é uma história de amor e traição entre dois amantes homossexuais, em que presente e passado, realidade e memória, experiência e desejo são misturados de forma intrincada e contaminados ainda pela intromissão do social, do urbano (a cidade, o trânsito, o Carnaval) na intimidade dos amantes. "Reencontro" parece uma interpretação moderna (ambientada nos duros tempos da ditadura militar, com referências explícitas a métodos de tortura) da parábola de William Wilson, célebre narrativa de Poe sobre um personagem perseguido pelo seu alter ego e que termina se matando para fugir de si mesmo. "Getting Out" (1985) é uma narrativa tensa e claustrofóbica sobre uma mulher que simula a situação de estar trancada em casa num edifício que se incendeia. "Combat in Vain" (1984) e "Fighting the Invisible Enemy" (1983), por sua vez, trabalham com uma absorção criativa do efeito zapping (colagem caótica de imagens e sons, semelhante à varredura rápida dos canais de televisão), de modo a sugerir narrativas estilhaçadas, cacos de uma ficção possível mas não completada, a um passo da completa dissolução.


França ocupa na história da videoarte brasileira uma posição sui generis. Ele vem de Porto Alegre, fora portanto do eixo Rio-São Paulo-Belo Horizonte, onde se concentrou a produção videográfica, e realiza boa parte de seus vídeos em Chicago, para onde foi inicialmente estudar e depois lecionar. As facilidades técnicas e o ambiente intelectual da School of the Art Institute of Chicago foram fundamentais para o desenvolvimento de seu estilo, o que aconteceu, aliás, com outros importantes nomes da arte eletrônica brasileira, como Carlos Fadon e Eduardo Kac. Esse relativo deslocamento com relação ao universo videográfico brasileiro atribuiu à obra de França um caráter distintivo e, num certo sentido, mais radical. A crítica à televisão e aos meios de massa em geral, bem como a insubordinação aos valores do mercado freqüentemente colocaram França em uma posição de antagonismo em relação aos seus colegas brasileiros da geração do "vídeo independente". Da mesma forma, ele será também um dos primeiros a romper com a primeira geração do vídeo brasileiro (os chamados "pioneiros") no que ela tinha de indiferença semiótica, aversão a questões relativas à retórica do meio e uma certa concepção meramente instrumental do vídeo, malgrado mantivesse ainda a mesma postura existencial dessa geração. De fato, França será um dos primeiros videoastas brasileiros a se dedicar seriamente à pesquisa dos meios expressivos do vídeo e a apontar caminhos criativos para a organização das idéias plásticas e acústicas em termos de adequação ao meio. Essa preocupação jamais foi marginal em sua obra, malgrado o fato dos aspectos semânticos, tão fortes e impositivos, muitas vezes saltarem ao primeiro plano com maior ênfase, obscurecendo as inovações no plano sintático.


Acima de tudo, o vídeo permitiu a França meditar sobre sua maior obsessão: a fatalidade da morte. De fato, o tema da morte (e sua versão limítrofe: o suicídio) atravessa a obra videográfica inteira desse realizador, como o pathos que dá unidade e coerência a todo o seu percurso. O personagem de "Reencontro" depara-se, de repente, com sua condição de mortalidade, o de "Getting Out" simula o seu próprio suicídio, o de "O Profundo Silêncio das Coisas Mortas" planeja o assassinato do amante infiel. Ao mesmo tempo, essa obra, de cunho bastante pessoal, esteve também centrada em uma indagação dramática sobre a questão da homossexualidade. Não se pode esquecer que a obra videográfica de França foi construída num momento (anos 1980) em que a Aids aparece como um flagelo incontornável, sobretudo (naquele momento) para as comunidades de homossexuais e hemofílicos. O drama homossexual por excelência, naquele contexto, era menos a exclusão social do que a inevitabilidade da morte. Nesse sentido, "Without Fear of Vertigo" ocupa um lugar estratégico dentro da obra de França. Nesse vídeo semifictício e semidocumental, o próprio França e vários amigos brasileiros e norte-americanos discutem as experiências do suicídio e do enfrentamento da morte. No final, vemos uma suposta acareação policial do personagem Peter Whitehall, condenado a cinco anos de prisão nos Estados Unidos por ter filmado o suicídio de seu companheiro Yann Bondy, vítima da Aids em estado terminal, e não ter feito nada para evitar a sua morte.


França morreu em 1991, ele também vítima da Aids, depois de ter nos presenteado com um dos testemunhos mais autênticos de fidelidade a si próprio. Seu último vídeo, "Prelúdio de uma Morte Anunciada" (1991), terminado alguns dias antes de sua morte e tendo já os seus dias contados, é uma verdadeira celebração dos valores que nortearam sua vida e dos quais ele jamais abriu mão, nem mesmo nos momentos de maior agonia de sua doença. O vídeo, em seu despojamento quase absoluto, lembra muito de perto o "Blue" de Derek Jarman, este também realizado como uma espécie de testamento, por um diretor em estado terminal na evolução da Aids. No trabalho de França, o próprio realizador troca as últimas carícias com seu companheiro Geraldo Rivello, enquanto aparece na tela uma extensa lista dos nomes de todos os amigos brasileiros e norte-americanos que foram vitimados pela Aids e a trilha sonora deixa correr uma dilacerante interpretação de "La Traviata" pela soprano brasileira Bidu Saião, gravada em 1943. A última coisa que aparece no vídeo é a frase "Above all they had no fear of vertigo" [Apesar de tudo, eles não tiveram nenhum medo da vertigem], que retoma a idéia central de "Without Fear of Vertigo": assumir, até as últimas conseqüências, a intensidade da vida, enquanto ela puder arder no peito, pois a morte é o destino inevitável de todos.

(catálogo do 13º Videobrasil) ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "13º Videobrasil": de 19 de setembro de 2001 a 23 de setembro de 2001, p. 136 a 139, São Paulo, SP, 2001.