Depoimento 2003

Rímel Um olhar feminino sobre o sexo XX é o resultado de um projeto de pesquisa realizado por um grupo de mulheres, de fevereiro de 2001 a julho de 2002. Nossa idéia original foi usar a linguagem videográfica para mostrar de que maneira o discurso de emancipação feminina está ligado ao sexo. Foram várias nossas próprias propostas para retratar tal idéia, até que – inspiradas nas cabines que Sandra Kogut usou na série Parabolic People – chegamos ao conceito da videocabine que usamos para a realização de XX: um espaço reduzido, transportável e intimista, que estimulasse a sensação de privacidade no meio do caos urbano. No caso de XX, um espelho dupla-face foi instalado no interior do espaço reservado. Assim, as mulheres davam seus depoimentos para sua própria imagem refletida no espelho. Ao entrar, a mulher encontrava também dezenas de produtos de maquiagem. Esses serviam como artifício estimulante dessa sensação de intimidade mas também como metáfora sutil para o fato de que um discurso é sempre uma representação – da mesma maneira que, ao se maquiar, a mulher faz uma representação de si mesma em cores e texturas. É justamente essa representação que a mulher contemporânea faz de si mesma e de sua relação com o sexo que pretendíamos captar. A cabine foi colocada em quatro pontos importantes da cidade de Belo Horizonte: Praça Sete, Barragem Santa Lúcia, Praça da Assembléia e Praça Milton Campos. Os locais foram definidos a fim de que os depoimentos captados em nossa videocabine apresentassem um grupo de mulheres heterogêneo no que diz respeito à classe social, faixa etária, escolaridade e estado civil. XX só foi possível devido ao desenvolvimento da linguagem videográfica. Os avanços tecnológicos reduzem constantemente os custos e facilitam o uso dos aparatos necessários para esta tecnologia, tornando o meio acessível a um número cada vez maior de pessoas (XX é um exemplo disso). Além disso, o vídeo conserva o tempo enunciação-enunciado dando, pelo menos à primeira vista, uma sensação de tempo mais presente que a fotografia, por exemplo, e trazendo uma presença imagética física que não pode ser alcançada através da linguagem escrita. (1) Não existe nenhuma relação de contribuição entre a emancipação feminina e o desenvolvimento da nova linguagem audiovisual. No entanto, é interessante observar a similaridade cronológica entre as duas novas tendências que, a partir dos anos 70, ganham espaço no Brasil. Tanto a revolução feminina, quanto o advento do vídeo abriram novas discussões e possibilidades, cada uma na sua área de interferência. Outra coincidência entre os objetos de XX – a mulher e o video-documentário – é que os dois foram sempre tratados como o outro dentro dos paradigmas a que pertencem. Enquanto o homem aparece como o Um, e a mulher só pode ser explicada a partir desse Um, o video-documentário é definido muitas vezes como o filme de não-ficção, tendo a Ficção como seu parâmetro mais direto e existindo somente a partir da ausência de características que permeiam esse primeiro. O mesmo acontece em relação ao vídeo, que passa a ser explicado em comparação à película, sendo muitas vezes colocado como categoria inferior na arte do cinema. Essa relação transparece claramente na afirmativa do jornalista e cineasta Luiz Carlos, ex-diretor do Globo Repórter: “Bons tempos aqueles em que o programa ainda era feito em película”. Em XX, a mulher assume papel de protagonista. Somente elas entram na cabine instalada em locais públicos da cidade. E somente a opinião delas sobre sua própria relação com o sexo é apresentada ao espectador. (1) Esse tempo captado exclusivamente pelo vídeo, cinema ou televisão, foi o que levou o comunicólogo Leandro Vieira a estabelecer uma correspondência videográfica com sua companheira Mariana. O casal, que havia se conhecido em um festival de inverno em Ouro Preto (Minas Gerais), morava em cidades diferentes e viram-se obrigados a manter uma correspondência regular que lhes suprisse a falta que sentiam um do outro. Optaram por fazê-lo através de videoteipes por razões que o próprio Leandro esclareceu mais tarde, em estudo sobre o conjunto dessa correspondência. “(...) a natureza audiovisual inerente ao meio (...) permite ao destinatário não somente "ler" o enunciado como também a enunciação. (...) Mostrando o que está sendo dito no exato momento em que se diz, o tempo enunciação-enunciado torna-se, neste sentido, o mesmo: tempo de concepção e emissão da mensagem” (Vieira, 2000)

Associação Cultural Videobrasil