Depoimento 2003

Cinema Marginal e suas Fronteiras é fruto de um trabalho de quatro anos de pesquisa, que resultou num grande evento em São Paulo, 1ª edição em maio de 2001 e no Rio de Janeiro, 2ª edição em março de 2002, ambas no Centro Cultural Banco do Brasil, patrocinador do projeto. Ao todo foram exibidos setenta e quatro filmes experimentais brasileiros das décadas de 60 e 70; cinqüenta e oito vídeos recentes de diretores participantes da mostra de filmes; e, dezessete eventos paralelos como: análise de filmes, palestras seguidas de debates e workshop de interpretação com importantes expoentes de nossa cinematografia. Para enriquecer a mostra, alguns filmes foram restaurados e realizadas cópias novas de outros. Além das duas edições da mostra, que pela primeira vez permitiu ao público assistir filmes raros e inéditos, foi editado um livro intitulado Cinema Marginal Brasileiro e produzido um site cinemamarginal.com.br, que disponibilizou uma série de informações inéditas sobre um dos mais importantes movimentos cinematográficos de nosso país. O evento teve grande repercussão de público e de mídia, tendo sido capa do suplemento dominical da Folha de São Paulo, Caderno Mais!; capa do suplemento de cultura do jornal O Globo, Rio Show; matéria no programa da Rede Globo de Televisão, Fantástico; destaque na revista Veja São Paulo como, Veja Recomenda; entre outros. A edição carioca da mostra foi premiada pela Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) como melhor evento cinematográfico de 2002. Durante anos ouvimos falar de filmes como Meteorango Kid, Zézero, O Profeta da fome, Hitler 3º mundo, entre tantos outros, mas nunca havíamos assistido à maioria deles. Porém, o que nos instigava era a atitude dos diretores, na época, frente às duras amarras da censura sobre qualquer meio de expressão, principalmente a artística, e o fato deles realizarem seus filmes a qualquer preço. Muito se falou desta produção, assim como se tornou polêmica a dissonância entre Cinema Novo e Cinema Marginal (CN X CM). Ainda que muitos dos expoentes do movimento tenham dado continuidade a suas carreiras, incorporando novas qualidades e desenvolvendo novas técnicas, não se pode negar a genial irreverência desta geração de cineastas e sua importante e criativa contribuição para o cinema nacional, mesmo diante das dificuldades inerentes ao mercado de exibição. Atualmente, há uma busca excessiva pela forma de consumo ditada pela relação produto x mercado. Nesse sentido, o nosso público, habituado e treinado visual e narrativamente a imagens publicitárias e a enredos mais amenos e menos reflexivos, sente-se muitas vezes incomodado ao assistir às produções nacionais, muitas vezes chocantes aos seus olhos e ouvidos. Mas, vale a pergunta: até que ponto é possível a reeducação de um público carente de cultura e de informações mais abrangentes? Fazer cinema no Brasil não é (e nunca foi) tarefa fácil e rentável, mas é essencial para mostrar as situações adversas e as condições desumanas existentes em todos os níveis de convivência social e cultural, num país ao mesmo tempo rico e miserável. Sabemos que do nosso enorme potencial criativo somado ao extenso repertório de imagens e personagens possíveis de serem retratados, de forma inventiva e apaixonada, podem nascer grandes obras. Por outro lado, uma certa submissão às abastadas produções americanas e sua escola de cinema acaba gerando tentativas frustradas de superproduções que apresentam leituras duvidosas e/ou mascaradas da realidade brasileira. Mas, como filhos do subdesenvolvimento que somos, continuamos à margem. A idéia de realizar um projeto sobre o movimento Cinema Marginal, está ligada a esta reflexão sobre a cinematografia brasileira dos anos 60 e 70, os “anos de chumbo”, uma vez que as obras, em sua maioria, foram pouco, ou nunca, assistidas pelo público. São filmes produzidos por cineastas que, através do cinema experimental, encontraram um caminho eficiente de realizá-los e, despreocupados com as tradicionais e bem-comportadas fórmulas narrativas e estéticas, conseguiram com poucos recursos extravasar seus anseios. Atualmente o acesso mais facilitado ao vídeo digital e a edição “caseira”, propiciam uma maior produção de obras audiovisuais, porém, é preciso refletir mais profundamente sobre a pertinácia dessas obras. Há um excesso de trabalhos, muitos deles realizados com grande desvelo, mas com resultados débeis, que pouco acrescentam ao nosso ideário e muitas vezes aclamados pela mídia. O Vídeo Brasil é um poderoso evento que propicia uma rara investigação.

Associação Cultural Videobrasil