Ficha técnica complementar

coordenação - Célia R. Ferreira Santos

texto - Fernando Salem, Marcelo Tas

produção - O2 Filmes

produção executiva - Bel Berlink

edição - Marcelo Tas

realização - Associação Cultural Videobrasil e SESC São Paulo

Texto de imprensa Amir Labaki, 26/09/2003

Cadê Ernesto Varella?

Não haveria MTV e "Casseta & Planeta” sem o repórter fictício, que reoxigenou a TV e está aposentado desde 1990. Parece que foi ontem - e já é história. Há 20 anos um jovem ator e videomaker sacudiu a mesmice das coberturas jornalísticas da TV brasileira com um hilário repórter, míope e timido, que apresentava aos poderosos as perguntas que não podiam calar. Marcelo Tas criou Ernesto Varefla numa tarde ociosa em Santos, na aurora da produtora paulistana Olhar Eletrônico. Um resumo em 20 episódios da saga de Varena, aposentado infelizmente desde 1990, está sendo lançado o DVD "Emesto Varella, 0 Repórter" neste fim de semana dentro do eixo histórico da 14ª edição do Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Varella tinha como parceiro o câmera Valdeci. Tas divide os méritos da criação de seu mais famos personagens com os quatro diretores que se sucederam como seu fiel escudeiro. Foram nada menos que Femando Meirelles,Toniko Melo, Henrique Goldman e Éder Santos, Quatro dos mais talentosos realizadores brasileiros surgidos nas últimas duas décadas. Deu no que deu. O DVD divide as reportagens de política, viagens e esportes com extras que destacam a pré-história de Varella e sua investida no rádio. No primeiro grupo, o mais marcante provocador, encontra-se a série sobre a votação da emenda pelas Diretas-já, e o começo da Nova República. No segundo, eis Varella em Cuba e Nova York e, despedindo-se das telas, na festa do peão de Barretos na série “Netos do Amaral”. Por fim, ei-lo cobrindo uma corrida de F-1 e a Copa de 86 no México. A reunião de matérias políticas é um extraordinário documento do fim do regime militar. Sem o tom forma telejornalismo, Tas insere inteligência e humor onde imperavam o cálculo e o cinismo. Sua primeira investida acontece no primeiro comício pelas Diretas, no Pacaembu em São Paulo. Varella entrevista anônimos e profissionais sobre o prazer na política. São históricos os depoimentos de Lula sobre o preço familiar pago pela militância e da então sexõloga Marta ainda Suplicy sobre a disputa com a política pelas atenções do marido, o então deputado Eduardo Suplicy. Os bastidores do comício da Praça da Sé, em 25 dejaneiro de 1984, quando 300mil pessoas votaram com os corpos exigindo a redermocratização, mereceram registro especialíssimo. O repórter de ficção dedica-se a entrevistar os profissionais escalados para cobrir o ato. Num depoimento para a história, Tonico Ferreira, da Rede Globo, testemunha que a emissora, por orientação do dono, decidira não cobrir as manifestações anteriores pelas Diretas, rendendo-se com aquela cobertura da manifestação paulistana. Os estertores da ditadura sentem-se em “Varella no Congresso”. Depois de breve depoimento no avião que o leva a Brasília para acompanhar a votação parlamentar da emenda Dante de Oliveira pelas Diretas-já, reclamendo em “off” dos policiais que o obrigaram a apagar as imagens que registrara no desembarque no embarque no aeroporto. Em sua entrada seguinte, eis tudo filmado de cabeça para baixo, numa bela metáfora audiovisual da última demonstração de força do regime militar. Em dois episódios da mesma época, Varella desconcerta o experiente Paulo Maluf, então deputado e candidato indireto a presidência da República. No primeiro, após presenteá-locom um bolo de aniversário, pergunta: “Muitas pessoas não gostam do senhor, dizem que o senhor é corrupto. É verdade isso deputado?”. Maluf vira as costas e sai da sala. O caráter ficcional do repórter concede a Tas um salvo-conduto que lhe permite furar os pactos do jornalismo cotidiano e ir direto ao ponto. Assim, ao deputado governista Nelson Marcchezan, que se prepara para votar contra as Diretas, indaga: "o senhor acredita mesmo no que está dizendo?" No México, em plena Copa, num embate com o misto de cartola e político, Nabi Abi Chedid, encerra o tenso diálogo, no qual é cobrado por privilegiar questões políticas num ambiente pretensamente neutro pois esportivo, perguntando: "qual será sua próxima jogada?" Num texto recente, MarceloTas destaca “duas pequenas contribuições da experi ência varelesca para a linguagem televisiva. ": o humor na abordagem de temas “sérios” e"um novo formato de telejornalismo”, com a redicalização do uso da câmera. Foi, como sempre, modesto. As reportagens de Varella reoxigenaram a TV brasileira. Não haveria MTV e "Casseta & Planeta" sem ele. Nesses 13 anos desde sua aposentadoria, ficamos todos como que órfãos de Varella. Veja o DVD e ligue a TV. Nada com aquela inteligência, em pauta, texto, filmagem e edição, há para ver. Mais: com Ernesto Varella, Tas insere-se de forma renovadora na escola contemporânea do documentarista como performance. Varella sucede por pouco tempo as experiências do britânico Nick Broomfield (“Kurt & Courtney”) e antecipa o surgimento do agora hiperpopular Michael Moore( “Tiros em Columbine”). Nick e Moore diante das câmeras não são menos personagens que o Varella de Tas. A diferença é que Varella é mais autêntico. E muito mais divertido.

LABAKI, Amir. "Cadê Ernesto Varella?" [“Where is Ernesto Varela?]”. Valor Econômico newspaper. São Paulo, September 26, 2003.