Ficha técnica complementar

performers - Carlos Ferreira e Claudinei Rodrigues 

fala dentrodo carro - Dalzira Leite 

retratos - Anderson, Cristiano, Dalzira leite, Danilo Madureira, Laércio, Vilma Soares e Zilda 

pesquisa de locação e stills - Pedro Motta

assistentes - Cedino Pena, João Lambreta e Paulo Sérgio

produção - Beto Magalhães 

assistente de produção - Arthur Moura

edição e finalização de som - Denilson Campos

projeto luminotécnico - Lighting Show

maquinista - Mauro Roberto Siqueira

caminhão - Amirton Ferreira

segurança - Marcos Medeiros 

Ensaio Daniel Augusto, 11/2007

TERREIRO SEM LUZ “Iluminai os terreiros” é um verso de “Brasil pandeiro”, canção de Assis Valente, recentemente utilizado como título de um vídeo de Gustavo Moura, Eduardo Climachuaska e Nuno Ramos, exibido na última edição do Videobrasil. Não é a primeira vez que a música popular serve como um dos pontos de apoio para a obra dos artistas plásticos: os dois últimos já haviam realizado os curtas “Luz negra” (nome de uma canção de Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso), embebidos por “Juízo Final” (de Nelson Cavaquinho e Élcio Martins), em 2002, e o “Duas horas”, ao som de “Duas horas da manhã” (também de Nelson Cavaquinho, desta vez com Ary Monteiro), em 2003. Além disso, já lançaram dois discos em parceria com Rômulo Fróes, “Calado” (2004) e “Cão” (2006), e tiveram canções suas regravadas por intérpretes como Gal Costa. Ou seja, há algum tempo associam criação artística e música popular, ainda que com diapasão diferente: a releitura que eles fazem do cancioneiro brasileiro em seu trabalho nas artes plásticas é de um tom diverso da que fazem ao compor. O vídeo “Iluminai os terreiros” dá materialidade ao verso de Assis Valente: os artistas selecionaram uma série de locações (os “terreiros”) e resolveram iluminá-las com auxílio de alguns postes e um gerador de energia. Os postes são dispostos formando um círculo com as luzes direcionadas para o centro, tal como uma improvável Stonehenge do universo industrial. O mecanismo é geralmente ativado durante a noite, e assim fica até o amanhecer, quando é desmontado e levado para outra locação. Assim, durante uma noite, o “terreiro” fica iluminado pela luz elétrica, numa espécie de apropriação irônica do sentido epifânico da palavra iluminação. Estamos no mundo desencantado da técnica, mas de uma técnica sem finalidade: os “terreiros” não ficam iluminados para sempre, mas somente durante o tempo que interessa aos artistas. O vídeo é o registro dos bastidores dessa instalação efêmera e sem função aparente, o diário filmado da beleza e da dor que foi dar concretude a um verso. Só que o vídeo está longe de ser um mero making of de uma instalação artística. O círculo de luz criado pelos artistas não ganhou uma imagem exata do que foi, mas tornou-se exatamente uma imagem (para parafrasearmos a conhecida afirmação de Godard). Uma imagem inserida num discurso descontínuo e fragmentado, que formaliza a falta de uma causa final ordenadora, tal qual a instalação. No vídeo, não há um télos que ordene a memória do que se passou ali, assim como não havia – no “terreiro” desencantado - um princípio que preenchesse seu vazio essencial. O que temos são visões parciais, instantâneos articulados de tal modo que a força plasmadora do sentido permaneça aquém ou além. No “terreiro” sem deuses da luz elétrica, a única respiração parece ser a do gerador, com seu ritmo por vezes ofegante e seu som quase sempre ensurdecedor. Estamos muito longe do terreiro da tia Ciata, onde se conta que nasceu o samba: aqui o samba silencia numa Praça da Apoteose vazia, jaz sob o crepitar ruidoso da máquina. Existe uma mundo industrial pulsando sem sentido no coração da rede elétrica: este “terreiro” não abre caminho para um outro mundo, mas para a opacidade do nosso mundo. Os próprios artistas passam pela frente da câmera sem ganhar densidade ou profundidade: eles estão lá na medida em que não são eles mesmos. São signos opacos, curtos-circuitos na rede da significação, nomes que a nada se referem. Na parte final do vídeo, um personagem interpretado por Eduardo Climachauska (ou um Eduardo Climachauska interpretado por um personagem), caminha por dentro de um túnel extenso e escuro carregando um imenso poste. Usa a luz elétrica para tentar ver algo no meio das sombras, como quem tenta decifrar os hieróglifos indecifráveis de um mundo em ruínas. Entre o túnel no fim da luz, e a luz do fim do túnel, faz um percurso difícil e acidentado, que remete ao buraco dilacerado onde todos nós estamos. O nome desse lugar é Brasil, como sugere a canção que iluminou os artistas que fizeram esse vídeo, e o sem sentido que eles mostram parece ser mais um capítulo do progresso conservador a que parecemos fadados nos descaminhos da nossa história. Resta esperar que o grito final do vídeo seja a dor de um parto que nos conduza algum dia à promessa de felicidade que o “Brasil pandeiro” de Assis Valente idealizava.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB)