Biografia comentada Denise Mota, 10/2008

Aos 23 anos, depois de concluir o curso de pintura na Universidade Libanesa, em 2001, Mounira Al Solh decidiu que era hora de abandonar a extrema familiaridade que havia alimentado com Beirute e partiu para a Gerrit Rietveld Academie, em Amsterdã, para estudar belas artes. A escolha da escola holandesa foi baseada mais na simpatia que sentiu pelos alunos da instituição – “Eles eram livres, e tinham um humor que me agradava” – do que por razões de ordem acadêmica ou profissional. 

Flâneur por auto-definição, a artista se move assim, orientada por percepções e pulsões que a levam para distintos cenários, sejam as rochas atrás de onde se ocultam de Beirute os banhistas-protagonistas de sua série de vídeos The Sea Is a Stereo, iniciada há dois anos, sejam as ruas da capital do Líbano, palco das investigações realizadas por Al Solh para coletar as vozes que embalam Rawane’s Song (2006). 

Concluído no mesmo ano em que a autora terminava sua estadia na academia de artes de Amsterdã, o vídeo foi premiado no 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil em 2007. O ano também marcou a presença da artista no primeiro pavilhão a representar as artes do Líbano na história da Bienal de Veneza, com a exposição coletiva Forward. 

Para o evento italiano, Al Solh levou As If I Don’t Fit There (2006), trabalho que indaga com leveza e humor sobre a inserção de autores fictícios de distintos perfis no mundo da arte, suas tentativas de integrar esse circuito e os caminhos que escolheram quando a ambição de se tornar um artista deixou de ser uma meta para tornar-se parte do passado. 

Embora os personagens da autora muitas vezes encerrem uma existência claramente circunscrita à imaginação de sua criadora, as condições e situações de vida apresentadas pela artista, segundo afirma, nascem diretamente do seu entorno, manancial que lhe oferece bases para que construa um universo vinculado ao “absurdo da existência”, como define. 

Um exemplo é o projeto Reclining Men with Sculpture (2007), surgido da busca de Al Solh de fugir da avalanche de material ideológico com que se deparava diariamente nas ruas de sua cidade natal, após a invasão de Israel em 2006. Como saída para a dominação do “inconsciente” perpetrada por personalidades das mais diversas orientações políticas, a artista criou histórias em que esses personagens vivenciam experiências artísticas, em uma abordagem que os humaniza ao mesmo tempo em que coloca a arte como disparadora de novas realidades – improváveis, mas possíveis. 

Após a Gerrit Rietveld, no ano passado Al Solh foi aceita na Rijksakademie van beeldende kunsten, instituição holandesa que oferece um programa de residência artística a autores de todo o mundo por um tempo máximo de dois anos. Foi então que a artista, premiada em seu novo lar estudantil com o Uriòt Prize, mergulhou em The Sea Is a Stereo, projeto familiar acalentado durante seus momentos de lazer em Beirute. 

Na série de vídeos, que também se compõe de outros materiais, como objetos relacionados à rotina dos personagens, Al Solh acompanha o modo de viver e as idiossincrasias de um grupo de homens diferentes em tudo, entre eles, a não ser por uma mesma predileção: o mar. Esses libaneses se afastam temporariamente dos afazeres diários, faça chuva ou faça sol, para nadar, conversar e deleitar-se com os mistérios e caprichos do mar Mediterrâneo. 

A artista os conhece de longa data: trata-se do pai da autora e de seus amigos. A odisséia pessoal que empreendem, por independência mental de tudo o que não esteja relacionado a esse momento infalível de contemplação, vai ao encontro de uma das investigações centrais da obra atual de Al Solh: a vida em trânsito, o limiar, o ato de existir sem amarras, de estar confortável entre dois (ou mais) mundos. 

Os registros com os banhistas continuam em desenvolvimento, e Al Solh almeja no futuro partir para um projeto mais longo com eles – um filme. Nesse meio tempo, cria novos vídeos ao redor do grupo e edita o segundo número da “performance-revista” NOA (2008). “É uma publicação que nem todos estão autorizados a ler. O conteúdo de NOA não deve ser revelado para todos.”