Biografia comentada 03/2009

O trabalho com metais, iniciado aos doze anos como aprendiz de ourives e relojoeiro, foi o trampolim de onde Caetano Dias mergulharia, após quase duas décadas, no mundo da arte. Aos 29 anos, o artista nascido na pequena vila de Bonfim da Feira, município de Feira de Santana, largou tudo – o emprego como designer em uma empresa de Camaçari e o curso de letras na Universidade Católica do Salvador ¬– para viver exclusivamente de suas criações. 

A porta de entrada para essa nova vida apareceu em 1988, quando Dias ingressou no grupo de intervenção urbana Interferência, do qual também faziam parte os artistas Donizete Lima, Mazzola, Paulo Portela, Ademir Tuy e Carlos Rodrigues. A atividade chegou ao fim “depois de três ou quatro anos”, como conta o autor baiano, e os grafites que ele assinava nos espaços públicos da capital baiana deram lugar a experimentações pessoais, notadamente centradas na questão do corpo e da religiosidade, e que começaram a se estender aos campos da pintura e da fotografia. 

“É bom explicar que produzir arte naquele momento em Salvador era algo extremamente difícil. Informações sobre o que se produzia no mundo na época não chegavam por aqui. Como eu não tinha formação na área, tive que construir todo o meu processo como autodidata, principalmente na troca de informações e na construção de um saber comum entre o grupo Interferência e com outros amigos, que fui conhecendo desde aquele momento da virada. E não importava o que acontecesse, eu estava certo do que queria: arte”, explica Dias. 

A partir de 2000, seu leque de suportes e linguagens se amplia, e Dias passa a realizar também esculturas, vídeos e instalações. Algumas dessas obras foram expostas em mostras como Estratégias para a perda de sentido, vista no Paço das Artes e na Marilia Razuk Galeria de Arte, em São Paulo, no Museu de Arte Moderna da Bahia e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 2002 e 2003. Suas criações também percorreram encontros como o 1º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo (2006) e a exposição Paisagens (2008), realizada no museu Reina Sofía, em Madri. 

Mais recentemente, os trabalhos do artista vêm tocando diretamente em realidades sociais que lhe são bastante conhecidas: a vida nos rincões pobres da Bahia, os pequenos universos particulares do cidadão comum, em seu trânsito constante entre a dureza e o lirismo do cotidiano. Um exemplo é Canto doce pequeno labirinto (2006), estrutura feita com açúcar fundido e instalada na estação ferroviária da Calçada em Salvador. Com o registro da obra, Dias participou do 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil (2007), de onde saiu premiado pelo Programa Videobrasil de Residências. 

Também em Zilomag (2006), o entorno urbano é não só cenário, mas também matéria-prima para sua criação. Com restos de materiais de construção, o autor produziu coletivamente, com o auxílio de moradores da periferia da capital baiana, um bloco maciço de cimento e madeira. O objeto, lúdico, tornou-se, ao mesmo tempo, símbolo do modo de vida de seus construtores. “A função (...) era levar uma obra que espelhasse a realidade do lugar e fazer com que as pessoas brincassem com a sua própria realidade”, explica o artista. 

O acaso é outro elemento que nunca está fora de foco nas fábulas da vida real arquitetadas por Dias. Em Uma (2005), o flagrante acidental de um casal fazendo sexo na praia durante um domingo de sol se transformou, na lente do autor, em um registro de sensações e experiências de sonho, desilusão, espera e esperança. “As pessoas ou situações que aparecem nos meus trabalhos tentam discutir como estar em um mundo tão adverso, porém tento mostrar tudo isso com um pouco de doçura.” 

As obras de Dias integram acervos de instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Brasília, a Casa de las Américas, em Cuba, os museus de arte moderna da Bahia e do Rio de Janeiro, o Museu Afro Brasil, em São Paulo, e o Museu Berardo, de Lisboa, entre outros. “Eu venho do interior da Bahia, onde as condições de vida são muito difíceis. Sempre vi toda aquela adversidade de muito perto”, diz o artista. “Acho que me tornei um voyeur do estado das coisas e acredito que isso terminou se refletindo na minha poética.”