Entrevista Teté Martinho, 08/2006

A questão do território, da paisagem e do espaço aparece com bastante força na construção de obras como Landscape Theory (2005) e a instalação Outlines (2005). Como essas preocupações começaram a surgir em sua obra e como cada um desses trabalhos lida com elas, em sua opinião?

Acho que, como minha formação foi muito ligada às artes plásticas e ao desenho, eu estranhei muito a câmera quando comecei a fazer vídeo. Eu não tinha essa experiência com o cinema, nem tinha me ligado em trabalhos importantes do cinema ainda. A câmera era (é) um objeto muito estranho na minha mão. Eu senti na pele essa força de usar uma câmera, o incômodo que isso traz, tanto para quem está atrás quanto na frente dela… Muito do meu trabalho vem desse desconforto que a câmera me traz.
Eu vejo essa ligação com o espaço e a paisagem como uma conseqüência disso. Eu me interesso por essa representação do espaço, como um espectador percebe o espaço através do som e da imagem e também essa transformação que ocorre quando tentamos reduzir essa experiência espacial do mundo em um meio tão limitado como o vídeo.
Landscape Theory tem esse foco na presença da câmera, um recorte de paisagem que só acontece por causa desse efeito transformador dela. Já Outlines é uma forma diferente de lidar com algumas das mesmas questões. É uma instalação que utiliza animação para explorar a idéia das fronteiras, linhas imaginárias que dividem nosso espaço geográfico. O que tem muito a ver com a autoridade política de criar espaços, dividir territórios, que é um pouco do que tento fazer com o vídeo.

Você diz que procura não virar a câmera para si mesmo, por não se considerar um assunto interessante; no entanto, está freqüentemente em cena, como em trabalhos como Opaque e Tamandaré. Que papel sua presença física tem nas paisagens que compõem essas obras?

Acho que minha presença nos trabalhos é importante, mas não a minha presença especificamente. O que me interessa é a idéia do indivíduo que se coloca na paisagem e a transforma. Em trabalhos como Opaque, apareço mais como um obstáculo ou fio condutor do que como uma pessoa realmente. Não estou preocupado em explorar minha personalidade nesses vídeos. Já o vídeo Tamandaré é um caso diferente, pois ele foi feito com essa idéia de um diário de viagem mesmo, sem pretensão alguma… É interessante ver que houve interesse de algumas pessoas em mostrar o Tamandaré num ambiente de galeria.

Você diz que Landscape Theory o fez pensar no poder do olhar. Quais foram essas reflexões e o que essa experiência revela também sobre o medo de ser visto?

Landscape Theory foi um dos meus primeiros vídeos já no mestrado que estou fazendo em Austin, Texas. Por isso ele acabou ditando, de certa maneira, todo o meu trabalho lá. Toda essa discussão sobre paisagem e espaço ocorreu por causa dessa experiência que tive no Landscape, tentando entender o que tinha acontecido realmente naquele vídeo. A idéia mais forte para mim naquele vídeo é essa noção de que o simples ato de olhar pode ser efetivamente agressivo, político, e transformador. O medo de ser visto pode ter uma relação com isso, escapar dessa violência, dessa coisa autoritária que é o olhar.

Como sua formação em desenho se reflete em seus trabalhos de vídeo e animação?

Como disse antes, acho que o jeito como uso a câmera sempre teve mais a ver com minha formação de artes plásticas do que com uma idéia de cinema, documentário e esse tipo de coisa. Eu nunca achei que para fazer vídeo eu precisasse de uma câmera especificamente e, apesar do meu trabalho lidar muito com a idéia da câmera, acho extremamente libertador você poder trabalhar com imagens geradas por computador, por exemplo, ou só texto, desenhos…

Qual trajeto você percorreu para criar a instalação Outlines?

Eu fiquei muito intrigado com essas noções de espaço e autoridade que venho discutindo acima. Queria continuar a trabalhar com essa idéia mas de uma maneira mais imaterial. Landscape Theory é muito concreto, uma interação no mundo real capturada… Em Outlines, queria ver como isso funcionaria como experiência para o espectador. Gosto muito do fato de que quando monto esse trabalho na verdade não há nada, apenas luz. Acho que essa imaterialidade diz muito sobre a política dos espaços hoje, é uma coisa bem perversa. 

Como foi sua participação no projeto Austin's Soundtrack, com Mario Ramiro?

Isso foi uma surpresa bem agradável para mim. Todo o processo durou uns três ou quatro dias, desde o início dos trabalhos até a apresentação final. O Mario é um cara ótimo, super tranqüilo de trabalhar, e ele me deixou bem à vontade para fazer o que achasse melhor. A minha contribuição no projeto foi a de espelhar, de uma certa forma, o processo do Mario com o som. Saímos pela cidade em busca de fragmentos imagéticos que dialogassem com os sons que ele havia captado. Posteriormente preparei uma espécie de Live/VJ set com as imagens e acompanhei o Mario e o Skyler, que é um músico lá de Austin, em uma performance ao vivo. Foi um trabalho bem dinâmico e divertido, o que contrastou um pouco com o que estou acostumado no meu trabalho pessoal, que é um pouco sofrido.

Como tem sido sua formação no mestrado em Transmedia no Texas? Você trabalha em torno de um projeto de pesquisa específico?

O mestrado lá no Texas é muito prático, voltado para produção mesmo, o que me agrada bastante. Portanto, não tenho um projeto de pesquisa definido, mas sim uma produção constante em vídeo e instalações. Claro que dentro desse corpo de obras alguns temas e formas se destacam e são questionados em uma série de avaliações, como em qualquer escola. Mas tenho tido uma boa experiência com ótimos professores no departamento de Transmedia.

Quais são seus próximos projetos audiovisuais?

Meu próximo vídeo continua esse diálogo com a câmera, mas desta vez por um viés fotográfico. Estou fazendo uma colaboração com um fotógrafo americano chamado Dave Woody. Estamos trabalhando com o recurso do flash em câmeras fotográficas, para explorar o instante dentro do ambiente do vídeo. Tem sido interessante pois é um trabalho às avessas, onde quase não há o que ver nas imagens que duram um frame apenas. O som se torna muito importante dentro dessa busca pela imagem que acontece dentro do vídeo e fora, com o espectador.