Biografia comentada Teté Martinho, 05/2006

Na trajetória do paulista Luiz Duva, a construção de narrativas pessoais em vídeo se desdobra em duas linhas de pesquisa sofisticadas e complementares: de um lado, o aperfeiçoamento de práticas artísticas que permitam resgatar e trazer “à tona da imagem” sentidos e sensações ignorados pelo registro; de outro, a tentativa de expandir a experiência audiovisual para além de seus limites de duração e suporte. Enquanto um eixo o leva a experimentar formas e suportes, do single channel à instalação, das sessões de VJing em pistas de dança aos ambientes imersivos onde realiza suas seções de live image, o outro o empurra cada vez mais para dentro da imagem - onde descobre formas diferentes de manipular, desconstruir e tocar frames, improvisando, redesenhando e incorporando o acaso para resgatar força plástica e conteúdos subjetivos. 

O corpo e seus limites estão no centro de suas temáticas desde as primeiras obras, que considera “explosões” de uma pulsão criadora visceral e inconsciente, mais do que fruto de conceito. Nascido da costura de duas seqüências casuais - imagens da própria avó e de um passeio clandestino pelos interiores de uma fábrica abandonada -, No time to cry, de 1988, já revela densidade experimental e percepção do meio incomuns, sobretudo no angustiado movimento de câmera que se cola ao som, uma espécie de zumbido repetitivo e circular. O vigor experimental que desafia a ausência de recursos persiste em A paixão segundo Bruce (1989), movimento irônico em direção à narrativa, e Deus come-se (1990), que flerta com o grotesco e com o plástico. Em Jardim Rizzo (1992), a mesma cena é vista da perspectiva de cada um dos personagens, num exercício que questiona a redução da experiência audiovisual a um ponto de vista único e compulsório.

Das experiências narrativas que têm como mote a própria narrativa, o artista evolui para a construção plástica da cena - ou, como descreve, para a descoberta da “imagem como quadro”. The bodymen lost in heaven (1996) é um marco na passagem: além do conflito compartilhado pelo casal de personagens, é a singular composição estética que mantém colados os elementos da obra, em cenas, cores e arranjos visuais que remetem às referências de pintura clássica do artista. The bodymen coloca Duva no rumo da obra instalada, vocação natural da imagem/quadro. 

Três anos depois, INSPIREme (1999), que expõe a imagem de uma menina respirando em uma grande tela de plasma verticalizada, inaugura uma longa linhagem de instalações-retratos de verve mais plástica. Antes, a busca experimental do caminho da instalação leva o artista para perto de um elemento que, dominado, se tornaria fulcral em sua obra: o som. Em Ignácios (1998), construída em torno do poema Pranto por Ignacio Sanches Mejias, de Federico García Lorca, é a trilha (a primeira que escreve) que dá sentido à obra, materializando o intuito inicial de produzir no espectador uma sensação de “esmagamento” pela imagem. 

É também perto de INSPIREme que o artista troca a ilha analógica pela edição não-linear, alterando vertiginosamente o panorama de possibilidades de manipulação da imagem ao seu alcance. Onde antes mesmo um recurso banal como o slow motion era de difícil acesso, surge a possibilidade muito real de aplicar à imagem o mesmo tratamento físico que os DJs aplicam ao som, tocando-a, percurtindo-a, fazendo scratches com ela. Na relação com o novo universo de parâmetros a alterar na imagem - e com o caráter gráfico da edição no time line - o artista descobre a possibilidade da improvisação, da intervenção como gesto rítmico, e a possibilidade de resgatar, no movimento, “a força da imagem parada”.

A possibilidade de manipular ao vivo as imagens-sons reveste a obra de Duva de algo que ela não deixará mais de ter: o caráter de ato. Suas instalações se hibridizam, ganham o ambiente, incorporam atores, tornam-se performances - a exemplo de A mulher e seu marido bife e de PVC, que integram a programação do 13º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil em 2001. A idéia de ambientar a imagem, a improvisação e o caráter performático aproximam o artista também das pistas de música eletrônica, nas quais vê “instalações sensoriais como jamais poderia criar”. 

Nos anos seguintes, Duva organiza a primeira mostra de VJs realizada no Brasil, o Live Images (com os VJs e coletivos Jodele, Spetto, Embolex, Duva, Bijari, Lucas Margutti, Raimo, Alexis, feitoamãos e Palumbo) e apresenta-se ao lado de DJs como Junkie XL, 808 State, Jeff Mills, The Youngsters, Anderson Noise, Stereo Total, Patife, Marky e Joe Carter - além do inglês Fat Boy Slim - em evento para 180.000 pessoas no Rio de Janeiro. 

Período intensivo de especialização em manipulação de imagens ao vivo, a experiência do artista como VJ se prova limitada - pela impossibilidade de controlar “a potência total do som-imagem” -, mas com momentos de grande descoberta. Em 2005, em Turim, Itália, ao se apresentar no lounge da revista Cluster, experimenta guiar as improvisações com cores e formas, não pela música, mas pelo fluxo de pessoas no espaço. Pela primeira vez em uma de suas obras, a imagem é tratada como luz, e não como signo.

Ainda em 2002, Duva desvia o foco principal de seu trabalho da atividade de VJ para a criação de obras baseadas na manipulação ao vivo de imagens e nos ambientes imersivos. Um poema, morangos no chão de sua sala e uma endoscopia são os elementos do primeiro destes exercícios, Vermelho sangue (2002). No mais conhecido, que mostrou no 14º Videobrasil em 2003, manipula ao vivo, sobre duas trilhas eletrônicas remixadas, trechos pré-alterados da obra Made in Brasil, na qual a pioneira do vídeo brasileiro Letícia Parente borda a planta do próprio pé (Desconstruindo Letícia Parente: Marca registrada). 

A pesquisa da “possibilidade de expansão da imagem para dentro da própria imagem”, gerando novas imagens e sons a partir da criação de uma dimensão expandida, leva à descoberta do que o artista define como células de movimento, seqüências de imagens significativas que produzem, quando manipuladas, diferentes andamentos e ritmos. Partindo de material documental, chega às células que servem de base à performance Concerto para imagem, som e marreta sobre parede, da exposição Imagem não Imagem (2003); partindo de fotos digitais produzidas com um telefone celular, que anima com um programa de visão panorâmica, cria o tríptico Retratos in motion: o beijo (2005), instalação em ambiente imersivo que marca sua primeira aparição na tela. Em ambas, o tratamento de manipulação ao vivo busca devolver à imagem “a imagem por trás dela”, entendida como a subjetividade e a intensidade do momento que dá início ao processo.

Nesse mesmo movimento inscrevem-se a instalação Demolição (2004), um mecanismo que produz, ao toque de botões, projeções de uma parede em demolição e sons percussivos; Grotesco Sublime MIX (2005), que transforma material produzido em uma oficina do Teatro da Vertigem em um tríptico de corpos que se devoram; Tríptico: estudo para auto-retrato 1, que conquista para o autor o Prêmio de Criação Audiovisual Le Fresnoy - França no 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil; e o Concerto para células em (de) movimento, projeto de performance multimídia em instalação imersiva que será guiado por uma partitura audiovisual - capaz de delimitar movimentos de improviso - e terá como tema as paisagens interiores.