Entrevista Eduardo de Jesus, 11/2004

Como e quando você começou a se interessar pela produção de vídeos?

Foi através da escola, quando ingressei na Oficina de Vídeo de La Esmeralda. Como aluno, e agora como professor, este espaço tem sido muito importante para a minha formação nas artes plásticas. Especializei-me em desenho, no qual creio existirem muitos registros temporais, movimento e descrição do espaço.

Em seus trabalhos a relação espaço, tempo e movimento parece um fator constitutivo dos vídeos, assim como a simulação dos ruídos típicos da televisão. Vemos isso tanto na apropriação do texto de Gombrich junto às imagens que vão se ampliando na tela em Paseo catódico (1999) como no movimento de imagens que são quase vestígios e ruídos em Malgré-tout (2001). Como você vê essa relação entre o registro do movimento e sua recriação no momento da edição?

Minha primeira obsessão foi a edição por computador. O espaço virtual que o software oferece destaca equivalências entre o plano e a duração; com esta ferramenta pode-se antecipar funcionamentos da imagem em movimento, para criar espaços virtuais no vídeo. A ação, o deslocamento no espaço e o movimento de câmera têm de ser planejados. Paseo catódico é a representação de uma tira temporal e espacial que segue o personagem em um eixo perpendicular ao olhar, enquanto o texto é a ocasião para a aproximação no eixo da profundidade que nos leva à superfície digital. Malgré-tout e Rey são espaços circulares e cíclicos.

Em Flicker (2000) parece que você se apropria do próprio ruído típico do vídeo para registrar um movimento inexistente na imagem original do filme La tormenta, de Fernando Vallejo. Qual a sua percepção dessa relação entre os registros do movimento pelo cinema e pelo vídeo?

O trabalho, acredito, é principalmente uma resolução gráfica que vem da interpretação de um meio para outro, o cinema é interpretado pelo vídeo e este foi interpretado para ser digitalizado. Isto é uma série de velocidades alteradas mas alinhadas para reproduzir movimento. Neste caso, os “fields” do vídeo tendem a se desentrelaçar e produzir vibração. Neste trabalho, assim como em Mismo, usei um periférico com um “jog” que era parte do equipamento; boa parte desses trabalhos são inspirados pela monitoração do tempo real que o computador tira dos periféricos. No caso de Mismo o que vemos é um testamento da manipulação direta em tempo real, quer dizer, existem efeitos mas não existe “rendering”. Além do aspecto técnico, creio que este trabalho aproveita essas defasagens para imaginar ou falar da experiência, seja traumática, seja religiosa ou através da lembrança. Isso é importante porque, do ponto de vista expressivo e artístico, o tempo padronizado de reprodução não é sempre o que desejamos. Seguramente, muito da linguagem cinematográfica tem se desenvolvido na base da expressividade e da necessidade narrativa da simulação realista dos acontecimentos, e sem dúvida muitas de nossas maneiras de representar a realidade e a lembrança vêm do cinema.

Seu trabalho transita por diversos gêneros (televisão, documentário e videoarte). Existe uma contaminação desses gêneros em seus trabalhos, quero dizer, características de um passam para outros?

O documentário e a televisão vieram depois da videoarte e derivam dela, ainda que ultimamente tenha apresentado Escribe en mí, que é basicamente a documentação de um projeto artístico. Interessa-me documentar os processos manuais, artesanais e artísticos e a obra de arte. No fazer encontro muitos significados. Uma lembrança - e material em vídeo - que tenho do Brasil e que me parece fantástica é uma que mostra a preparação de algumas receitas. Esse processo é extremamente expressivo e bonito. Espero editar esse material em 2005.

Em 2003 você esteve na Alemanha com uma bolsa na ZKM para desenvovler um trabalho de projeções cênicas. Como foi esse tempo na ZKM e como você vê o resultado final do trabalho com Iván Edeza?

O mais importante desse trabalho foi chegar a um acordo criativo satisfatório tanto para Iván Edeza como para mim e para a diretora criativa Renate Ackermann. O entendimento das necessidades cênicas e o trabalho com documentos incompreensíveis com os quais não estava familiarizado, tais como roteiros e partituras ou software em alemão, foram extremamente estressantes e estimulantes ao mesmo tempo. Acredito que ter estado na Alemanha por um mês com Iván foi muito produtivo para o projeto, porque lá vimos muitas obras de arte cujo gosto compartilhamos e que têm influenciado os dois. Sem dúvida, para mim a parte mais bonita do projeto foi a montagem no Teatro Juárez de Guanajuato, onde vi e ouvi a orquestra trabalhar e conheci como é um teatro do início do século XX de todos os seus lados.

Como você vê a cena da arte eletrônica hoje no México?

Muito intelectualizada e hermética, tanto quanto a multimídia. Mas principalmente com valores e objetivos artísticos pouco definidos. O vídeo tem lugar dentro de uma idéia de arte preestabelecida, que ainda sebaseia no conceitualismo (bastante alterado), não utiliza os meios de maneira inclusiva, mas exclusiva, de acordo com o sistema do mercado de arte. O vídeo no México não tem ampliado a idéia de objeto artístico e mercadoria tradicional. A arte eletrônica, creio, é um conceito pouco conhecido enquanto suas possibilidades midiáticas e de gerar conceitos comunitários e de conhecimento das sociedades e dos meios. A cena de música eletrônica e os grupos interdisciplinares das cidades na fronteira como Tijuana ou Monterrey me parecem muito bons.