Biografia comentada Denise Mota, 08/2008

Revolving Door (“porta giratória”) não é apenas o título do premiado documentário de Alexandra e David Beesley. É também a expressão usada para designar o perverso ciclo que condena prostitutas em diversas partes do mundo a afundar-se em dívidas – e, por conseqüência, depender cada vez mais da atividade sexual – a cada vez que são presas pela polícia no exercício do trabalho e têm de pagar multas para recuperar a liberdade. 

Mais do que documentaristas interessados no universo da indústria sexual, o casal sabe do que está falando: quando adolescente, Alexandra viveu na pele os dissabores e riscos cotidianos da prostituição, depois de deixar sua Inglaterra natal para adotar a Austrália como país. “Essencialmente, eu não tinha família, não tinha dinheiro nem casa, então fui trabalhar nas ruas”, descreve a diretora. 

O olhar de quem sabe em primeira mão o que é perambular, sob sol e chuva, à procura de clientes, a experiência junto a entidades que dão assistência a trabalhadores sexuais em Melbourne e o envolvimento em projetos de televisão comunitária desembocariam no primeiro documentário de Alexandra, PCV: Prostitute’s Collective of Victoria (1989). 

No filme, a diretora apresenta as diversas atividades da organização e coloca em debate aspectos que desenvolveria sob outras formas, em projetos posteriores: a discriminação inerente à visão que a sociedade dedica à prostituição; e as relações de poder que se estabelecem entre prostituta e cliente. Sobretudo, olha para a prostituição como um trabalho e seus praticantes como pessoas – constituídas de ambições, interesses e valores tão comuns ou anedóticos como os de qualquer outra. 

O registro da vida nas ruas também deu a Alexandra um companheiro. Durante a realização de suas produções audiovisuais, conheceu David. Começaram a trabalhar juntos, casaram-se em 1990 e juntaram forças – ele, como diretor e operador de câmera; ela, como pesquisadora e produtora – para imprimir o frescor que transborda da série televisiva britânica Red Light Girls (1998). Com direção-geral de Mark Jones, a série foi exibida em diversos países europeus. 

Longe da típica prostituta amargurada, sem perspectiva de vida, explorada e marginalizada, as garotas australianas “da zona da luz vermelha” captadas pelo casal têm padrão de vida confortável e muitos planos, pelos quais trabalham. Dirigem seus próprios carros, fazem ginástica diariamente, meditam; almejam ser estrelas de Hollywood, conquistar o mundo da moda ou aposentar-se e ter filhos. “Essa abordagem foi tão bem-sucedida e renovadora que fomos enviados a Los Angeles para fazer o mesmo com os personagens norte-americanos da série”, contam os cineastas. 

Alguns projetos depois, em 2001 Alexandra e David fundaram sua própria produtora, a Beeworld. Sediados em Melbourne, atuam como diretores, produtores, roteiristas e animadores em trabalhos que articulam linguagens e plataformas, de documentários a sites e instalações. Revolving Door (2006) é o primeiro documentário de animação da dupla. 

A obra, que tem muito de autobiográfica, fez Alexandra revisitar um passado cheio de más recordações, mas também de questionamentos de interesse público: o impacto da prostituição sobre a população do subúrbio praiano e boêmio de St. Kilda, em Melbourne; a atuação da polícia; os dilemas implicados na decisão de prostituir-se. “Revolving Door foi um trabalho muito difícil para mim, já que é uma viagem extremamente pessoal”, diz a diretora. 

Exibido, entre muitas outras mostras ao redor do mundo, no St. Kilda Film Festival, em junho de 2007 – projeção que teve um sabor especial para os realizadores, já que este é o mesmo local em que Gillian, a protagonista de Revolving Door, trabalha –, o filme não termina na tela e se estende para o mundo virtual. No site da companhia dos Beesley, um link guia o internauta a um acervo de materiais adicionais sobre a vida da personagem, como documentos acerca de suas passagens por instituições públicas, seu diário pessoal, sons e imagens. 

A plataforma eletrônica também é parte do mais recente projeto de Alexandra e David, The Tale of the Right Hand of Spider Lil, conto de horror sobre uma prostituta do século 19 que utiliza novamente animação. No território dos registros contemporâneos, a dupla prepara ainda Gunya Girls, documentário que acompanha a trajetória de mulheres que estiveram presas em um centro de detenção juvenil na Austrália.