Biografia comentada Denise Mota, 11/2008

Aos 34 anos, Nicolás Testoni não pára de pensar em uma história que o antecede em quase dois séculos: a da cidade de Bahía Blanca. Porto e balneário no passado, hoje pólo petroquímico e um dos maiores escoadouros da produção argentina, o município foi fundado em 1828 como um forte e, duas décadas mais tarde, cortado por uma ferrovia que o conectava ao interior, num prenúncio do futuro industrial que lhe estava destinado. O progresso forjado a ferro, petróleo e fumaça deixa uma marca agridoce na memória dos habitantes das imediações do porto de Ingeniero White, epicentro da atividade econômica e das rápidas mudanças ocorridas no lugar. 

Criado em meio a narrativas diretamente ligadas a essa realidade, de pessoas que construíram a vida ao sabor da maré – num lugar onde, hoje, segundo o artista, “a expressão ‘ir ao mar’ equivale a visitar praias mais longínquas” –, Testoni escolheu como material de investigação a capacidade dos bahienses de reelaborar a existência a partir dos efeitos do avanço acelerado e desordenado. 

Após morar na capital argentina, onde cursou comunicação na Faculdade de Ciências Sociais da Universidad de Buenos Aires e trabalhou como estagiário no Departamento de Cinema e Áudio do Arquivo Geral da Nação, em 1997, e professor ajudante da Oficina de Expressão em vídeo na UBA, em 1999, decidiu retornar à terra natal para criar e viver. Para muitos artistas de sua cidade, “ser poeta, pintor, artista pressupõe abandonar Bahía Blanca para ir a Buenos Aires”, conta. “Eu tentei a mesma coisa, com o resultado contrário.” 

Em casa, desenvolveu vídeos para o Museo del Puerto de Ingeniero White até 2004. O desembarque no museu e ateliê Ferrowhite parecia tão natural quanto obrigatório: as linhas-mestras da instituição, que tem como objetivo resgatar a história da população local e transformá-la em arte, iam ao encontro do que buscava com suas obras, ao incorporar elementos do documentário à videoarte. 

Um dos primeiros registros de Testoni é um bom exemplo dessa prática. Rodolfo René Boiardini carga un bidón con agua (1999) flagra um homem de meia-idade em um momento trivial de sua rotina. Enquanto carrega um galão de água, Boiardini comenta episódios entre fantásticos e, suspeita-se, fantasiosos que presenciou do pós-Segunda Guerra à ditadura argentina, descreve de que forma viu um cometa cruzar o céu, como sobreviveu a epidemias e o dia em que conheceu pessoalmente cantores que o fascinavam. 

O mesmo contato vivo, guiado pela espontaneidade do entrevistado, está na série El puerto, iniciada em 2003. A coletânea de retratos audiovisuais deixa transparecer o dia-a-dia de quem forma a mão-de-obra das companhias do porto, um cotidiano pontuado de percalços advindos de condições de trabalho geralmente insatisfatórias. 

Canto de aves pampeanas, um dos mais recentes trabalhos de Testoni, foi premiado no 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_ Videobrasil, no ano passado, ao apresentar uma reflexão melancólica e crítica sobre a intervenção humana no ritmo da natureza. 

O vídeo une o áudio de um velho documentário, que reproduz sons emitidos por pássaros da fauna argentina, a registros atuais da paisagem de Bahía Blanca, captados por Testoni. O prêmio pela obra lhe rendeu uma residência artística do Programa Videobrasil de Residências, no Instituto Sacatar, na Ilha de Itaparica, Bahia, em 2008.