O debate reuniu produtores, realizadores e diretores de festivais de vídeo estrangeiros e brasileiros, com o objetivo de estabelecer contatos e troca de informações entre os convidados, visando à articulação de um mercado para os trabalhadores.

Foram convidados 676 produtores, 12 emissoras de televisão, 7 distribuidoras e alguns jornalistas. O número de inscritos foi de 67 pessoas, que se reuniram nas manhãs dos dias 28, 29 e 30 de setembro. Os encontros foram marcados pelas seguintes pautas: mercado e distribuição; a produção independente internacional; propostas de trabalho. As discussões acabaram tendo como foco a distribuição da produção videográfica no Brasil e no exterior.

Texto crítico Cândido José Mendes de Almeida, 1989

TV e Vídeo no Brasil: Um Abordagem Sintética

A televisão brasileira iniciou sua história em setembro de 1950, dividida entre as dificuldades técnicas e o fascínio natural pelo novo meio. Este cenário, agravado pelas transmissões ao vivo, permanece até 1956 quando o vídeo-tape inaugura a revolução do tempo audiovisual. A trajetória deste veículo no Brasil pode ser classificada em três momentos distintos: o primeiro, que dura aproximadamente quinze anos, é marcado pelo improviso e pela criatividade, não apenas artística como administrativa. É a época do predomínio da TV Tupi e suas afiliadas, capitaneadas pelo imprevisível personalismo de Assis Chateaubriand, cuja estrela começa a perder o brilho após o golpe militar. A partir de 1965, tem início a engenharia tecnológica e política que irá desembocar na organização do quarto maior império televisivo do planeta: a Rede Globo. A reboque do desenvolvimento da estrutura de telecomunicações do regime militar, a Globo rapidamente assegura sua penetração horizontal por todo o território do país, consolidando em uma década e meia uma confortável hegemonia. O sucesso vem através da consagração de um formato simples de programação: um "mix" bem dosado de novelas, jornalismo, programas de auditório e esportes. O terceiro momento deste raciocínio coincide com o advento da década de 80, e é marcado por duas vertentes: de um lado, a redistribuição do espólio da Tupi, gerando dois novos grupos de comunicação: a Rede Manchete e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Juntamente com as redes já existentes (Bandeirantes e Record), elas vão compor a inexpressiva concorrência a Rede Globo no início da década. Destas, a única que obtém resultados a partir de uma estratégia de médio e longo prazo é o SBT, ao apropriar-se de uma fórmula utilizada pela própria Globo no passado: a busca de audiência quantitativa, concentrada nas camadas C e D.

O incremento de público no entanto, não impressiona as agências e desde 1987 a jovem rede tem voltado suas baterias para a conquista de segmentos mais qualificados e com maior poder de consumo. Os 65% de audiência média atuais da Globo no "prime-time", confirmam a sua liderança, mas podem ser eventualmente arranhados por determinados programas do SBT, uma rede em acentuada crise de identidade. São números certamente expressivos em uma sociedade que diariamente se debruça sobre 28 milhões de aparelhos instalados, representando um universo potencial de quase 80 milhões de telespectadores. O Brasil é um país onde a televisão possui uma penetração de 60% do total de domicílios, percentual certamente inferior ao de países como Estados Unidos ou Japão, mas expressivo se levada em conta a sua extensão territorial. A nível da Legislação que regula o sistema das comunicações no Brasil, pouco mudou com a promulgação do novo texto constitucional. O poder de outorga das concessões de exploração de emissoras de rádio e TV permaneceu nas mãos do Poder Executivo, que o consagra como instrumento de manipulação política. A necessidade de confirmação da outorga através do Congresso Nacional é tecnicamente pouco eficaz e a instituição de um Conselho de Comunicação Social corre o risco de ter o mesmo destino daquele previsto no atual Código de Telecomunicações: a extinção pura e simples.

A segunda vertente que caracteriza o terceiro momento da televisão brasileira, e que tem início nos anos 80, refere-se menos a televisão e mais ao televisor em si. E o momento em que a telinha no Brasil passa a travar contato com as novas tecnologias de comunicação. O vídeo portátil, popularizado no final da década de 70, favorece o surgimento de um movimento audio visual que por aqui denominou-se produção independente. Composto basicamente por artistas, universitários recém-formados e profissionais de televisão, este universo de produtores elege os festivais e mostras, inicialmente concentradas no eixo Rio-São Paulo, para divulgar e exibir seus trabalhos. Os independentes definiram sua estratégia a partir do próprio conceito: produzir a margem do sistema comercial de TV, sem no entanto prescindir dos mesmos no tocante à difusão. Ao longo da década as experiências, sobretudo de linguagem, se desenvolveram ao ponto de interferir na própria estética da televisão comercial que absorveu em alguns de seus programas sinais da gramática visual dos independentes. É fundamental ressaltar esta questão, uma vez que o Brasil é talvez um dos únicos sistemas privados de TV no mundo que estabeleceu esta interface quase osmótica com uma produção até então considerada marginal. A vídeo-arte, enquanto fragmento desta produção, teve uma trajetória menos feliz.

Pressionada pelos altos custos de realização, e pelo evidente descrédito do circuito de galerias e espaços afins, a vídeo-arte encontrou dificuldade em transbordar dos festivais e encontrar canais próprios de escoamento. Nesse particular, resta o consolo de ser este o cenário padrão mesmo em países civilizados. Atualmente, as produtoras independentes situam-se basicamente no eixo Rio-São Paulo, mais por uma questão estratégica: aí se concentra 70% do volume da demanda de serviços e mesmo de oportunidades, o que não impediu o surgimento de núcleos de produção extremamente ativos e criativos em Minas, Rio Grande do Sul e Pernambuco, onde, na cidade de Olinda localiza-se uma experiência pioneira de TV popular volante.

A década de 80 presencia, ainda dentro do perímetro do vídeo, a emersão de uma outra aplicação da mesma tecnologia: o vídeo doméstico. Menos experimental, porém igualmente importante na sua especificidade, o "home-vídeo" promove uma revolução nos hábitos e costumes televisivos do espectador. O primeiro aparelho fabricado no país é lançado em 1982 em um mercado até então tomado por equipamentos contrabandeados. Surgem imediatamente as primeiras locadoras de vídeo-clubes que, apesar de operarem com fitas clandestinas são as responsáveis pela propulsão informal da atividade. A partir de 1984 tem início o ingresso das primeiras distribuidoras reconhecidas, um quadro que vai se acelerando com a entrada das "maiors" até os dias de hoje e que pode ser traduzido por uma respeitável contabilidade de aproximadamente 5 milhões de aparelhos instalados, servidos por um contigente em torno de 4.000 locadores em todo o país. E uma atividade que, entre os níveis formal e informal movimenta por volta de 300 milhões de dólares por ano. A TV por Assinatura no país, surge meio na surdina em 1987, através de um decreto produzido pelo Ministério das Comunicações. A despeito da permanente pressão dos setores da sociedade civil, que reivindicavam a abertura de novos canais de TV no país, a regulamentação se deu sem nenhuma consulta prévia a estes principais interessados. O decreto define a faixa de UHF (Freqüência Ultra-Alta), como habilitada para a instalação de canais que operam codificados. O que é curioso nesta modalidade de comunicação audio-visual é que ela combina duas fórmulas de maneira aparentemente equivocada: o conceito de TV a cabo com a tecnologia da "subscription TV". O uso da faixa de UHF para veiculação de sinais codificados foi aplicado na costa oeste-americana na década passada e sucumbiu logo após o surgimento da TV a Cabo. Explica-se: a TV a Cabo possibilita a instalação de uma grande quantidade de opções de canais em um mesmo sistema, enquanto a TV por Assinatura, nestes moldes, oferece apenas uma opção. Outro aspecto a ser considerado é o alto custo dos decodificadores (US$ 80), além da assinatura mensal, (US$ 10). Por fim, o perfil dos aquinhoados com as primeiras concessões não deixam dúvidas quanto ao destino da TVA no Brasil: repetir o modelo das TVs comerciais para um público sofisticado. Ou seja, nada de novo no "front". As conseqüências deste terceiro momento da TV brasileira, só poderão ser dimensionadas ao cabo dos próximos 5 anos, quando as mudanças atualmente em processo, estiverem consolidadas. O que parece indiscutível é o perfil de um cenário de transformação que apesar de discreto, deverá determinar de modo irreversível o papel da televisão e do televisor em nossa sociedade.

Texto crítico Marcelo Machado, 1989

Participando ano passado da manifestação de Vídeo de Montbéliard (França), constatei que os festivais na Europa são a porta de entrada para o mercado. Principalmente quando se fala de projetos mais arrojados, experiências em vídeo e de trabalhos em televisão com formatos inusitados e renovadores.

Foi com grata surpresa que este ano encontrei o Videobrasil empenhado numa internacionalização. Organizamos - Solange Oliveira, diretora do Festival Fotoptica Videobrasil, e eu - a mostra de Nova York "Videobrasil: Social and Experimental Tapes". Ambos com o mesmo objetivo: troca de informações e o aprendizado no encaminhamento de novas propostas de trabalho.

A defasagem tecnológica não deixa a criação em vídeo do Brasil muito aquém do panorama internacional. Sofremos, às vezes, de uma falta crônica de organização. Até por isso nosso encontro se propõe curto e objetivo o suficiente para não repetirmos mais uma vez essa história. E essa meta só se concretizará com a objetividade dos seus participantes. Acreditamos que assim alguns possam vir a encontrar parceiros para iniciativas em comum.

Vale lembrar que o encontro de realizadores, distribuidores e emissoras com os convidados internacionais se dá num momento de mudanças. Momento do surgimento de emissoras UHF, da TV por assinatura e de experiências com cabo no Brasil. Momento em que se discute - a partir de artigos da Constituição que falam sobre a regionalização da TV e incentivo à produção independente, os projetos de lei que darão um novo contorno ao mercado de trabalho para os videomakers. Espero que possamos estar atentos para o que se cria e se faz lá fora para garantirmos um pouco do futuro aqui dentro.