Vindos de uma passagem importante pela Bienal de Veneza (2005), os artistas plásticos Barrão e Luiz Zerbini e o montador de cinema Sergio Mekler voltam ao Videobrasil, festival onde o Chelpa Ferro fez sua primeira apresentação, em 1998. Na nova performance, eles produzem música usando instrumentos convencionais e inventados, como uma máquina de costura e um cinzeiro, que compõem uma espécie de instalação no palco. Uma bateria construída com varetas de incenso interrompe o som com um “solo silencioso”.

Artistas

Obras

Texto de curadoria 2005

Chelpa Ferro

Banda-instalação, grupo de performance e fábrica de instrumentos, o Chelpa Ferro volta ao Festival onde se apresentou, pela primeira vez, há sete anos. Vindos de passagens importantes pelas Bienais de Veneza (2005) e São Paulo (2004), Barrão (Rio de janeiro, 1959), Luiz Zerbini (São Paulo, 1959) e Sergio Mekler (Rio de Janeiro, 1963) mostram “um show bem Chelpa Ferro”, mas com lugar para o silêncio. Uma bateria construída com 80 palitos de incenso fará um “solo silencioso” ao ser queimada em uma pausa da música produzida por instrumentos convencionais e inventados: a máquina de costura que toca samba, o cinzeiro de musicalidade insuspeitada. Entre os instrumentos, projeções de vídeo e baterias de incenso, os artistas navegam do rock à eletrônica.

A vontade de fazer música juntou os artistas plásticos Barrão e Zerbini e o editor de vídeo e montador de cinema Mekler em torno do projeto, em 1995 – na época, integrava o grupo também o produtor musical Chico Neves. “Desde o começo, a gente teve interesse por música. Cada um tem uma formação, mas todo mundo gosta de fazer isso”, diz Zerbini. “Para nós, música é fundamental.” No contexto do som, a plasticidade se desdobra de formas originais e diversas: nos objetos cotidianos dos quais o grupo se apropria para extrair ruído, na forma como são instalados no palco e em espaços expositivos, na movimentação dos artistas em torno deles, nas imagens que fazem parte do ato. Desdobra-se em instalações como “Acqua Falsa”, exibida na Bienal de Veneza em junho de 2005: emitido por uma caixa pendurada a 10 cm do solo e virada para baixo, o som incidia sobre o piso coberto de água, espalhava-se pelo espaço e era absorvido por espumas penduradas nas paredes e forradas de luzes azuis e brancas. Ou em “Nadabhrama”, arbusto metálico cujas folhas se agitavam em resposta à interação do público da Bienal de São Paulo, em 2004.

A nova performance para o Videobrasil guarda alguma relação com  “Gabinete de Chico”, que o grupo criou para a 12a edição do Festival, em 1998, e cujo arsenal incluía vídeo, um espremedor de laranja e uma mesa de pebolim. “Esse trabalho é uma continuidade daquele que mostramos há sete anos, mas também é uma evolução. A gente faz show, faz exposição. O Videobrasil dá a possibilidade de que misturemos tudo isso, performance, instalação, música, show, vídeo. Foi o primeiro lugar onde a gente coube.”

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL, "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil": de 06 a 25 de setembro de 2005, p. 102 a 103, São Paulo, SP, 2005.

Texto de curadoria 2005

Performances

Centrada no corpo, efêmera, imprevisível, a performance é um gênero de arte que envolve confrontamento e risco. Política, subverte a relação entre obra e público, que é convidado não a suspender sua descrença para acreditar em uma ficção, mas a testemunhar um acontecimento. Tanto ao transitar entre disciplinas quanto ao esquivar-se delas, torna-se a expressão de uma arte em que as fronteiras entre gêneros deixam de fazer sentido. Talvez por isso seja apontada como manifestação artística contemporânea por excelência.

Foi a observação desse fenômeno, sobretudo na maneira evidente como ele reverbera na arte eletrônica – cada vez mais politizada e vinculada à presença do artista –, que motivou a reunião desse expressivo grupo de performers dentro do Festival. Brasileiros, norte-americanos, asiáticos, africanos, eles representam vertentes diversas de um gênero de hibridismos infinitos, que se presta ora a dissolver os limites entre as expressões artísticas, ora a apontar questões sociais para compartilhar cicatrizes universais.

Uma das mais marcadas entre essas vertentes, a performance que se constitui abertamente em gesto político é representada, entre outros, pela artista nova-iorquina de origem cubana Coco Fusco. Ela comanda uma intervenção urbana que encena um ritual de sujeição comum nas prisões militares norte-americanas, vista aqui como uma espécie de performance compulsória em que o corpo é violentamente usado contra o próprio homem. Também é da observação de situações refletidas na mídia e na sociedade que vêm os registros reunidos em “Futebol”, trabalho da Frente 3 de Fevereiro que repercute um episódio de racismo; e a angustiante sensação de tragédia iminente eleita como objeto pelo grupo feitoamãos/F.A.Q.

Não menos políticas na essência, as obras da queniana Ingrid Mwangi e da indonésia Melati Suryodarmo são fruto de uma concepção de performance para a qual o corpo é o campo onde se projetam inquietações nascidas no âmbito da experiência estritamente pessoal. Mwangi, que criou para o Festival “My Possession”, usa voz e movimento para falar de uma existência em deslocamento. Em sua “Exergie – Butter Dance”, Melati, que estudou performance com Marina Abramovic, vale-se da iminência do acidente – e, não raro, do acidente em si – para produzir um nível concentrado de intensidade sem usar qualquer estrutura narrativa.

De formas muito diversas, Marco Paulo Rolla e Detanico Lain representam a performance que nasce das artes plásticas. Ao invés de abandonar o cubo branco, paradigma do espaço expositivo contemporâneo, Marco Paulo se apropria de seu rigor formal em performances que falam do irromper desconcertante do acaso num mundo de placidez e equilíbrio. Angela Detanico e Rafael Lain ambientalizam suas paisagens pixelizadas e se incluem na cena para manipulá-las ao vivo, no intuito de acentuar seu teor de representação digital – e, em última instância, de entender como a representação constrói as imagens do mundo.

Plástica, música e vídeo são os elementos fundadores de um gênero de performance particularmente vigoroso no Brasil. Os trabalhos inéditos do grupo Chelpa Ferro e do artista Eder Santos que o Festival exibe são exemplares. No Chelpa Ferro, Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler ampliam seu espectro de ação ao produzir música e objetos ruidosos, que posicionam no palco como peças de uma instalação. “Engrenagem”, que reúne Eder Santos, os músicos Stephen Vitiello e Paulo Santos e a performer Ana Gastelois, é uma releitura que reafirma o talento do artista para multiplicar, com o vídeo, o efeito visual de atos performáticos de dança, música, drama e poesia.

Tanto Eder Santos quanto o Chelpa Ferro passaram antes pelo Festival, como atestam as obras incluídas na mostra Antologia Videobrasil de Perfomances. Eder criou para o Videobrasil uma série histórica de trabalhos performáticos; Zerbini, Barrão e Mekler usaram o nome Chelpa Ferro pela primeira vez no 12º Festival, em 1998. Não deixa de ser simbólico, portanto, que seus novos trabalhos fechem a programação do 15º Videobrasil. Em meio a este amplo panorama do mais contemporâneo dos gêneros, eles representam uma vertente de performance que foi pioneira no cenário brasileiro – e que o Festival se orgulha de ter acolhido desde o nascimento.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil - 'Performance.'": de 6 a 25 de setembro de 2005, p.96-97, São Paulo-SP, 2005.