Texto de curadoria geral Solange Farkas, 2013
No centro, o Sul
No ano em que completa trinta anos, o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil dá protagonismo à mostra Panoramas do Sul, seu recorte bienal da produção contemporânea do Sul geopolítico do mundo. Posta à prova na edição anterior, a opção por abrir o segmento a toda forma de manifestação artística frutifica em uma experiência expositiva de nova potência e representatividade ampliada, que ancora uma extensa plataforma de conteúdos e mecanismos de ativação. Em consonância, o núcleo histórico 30 Anos propõe uma imersão polifônica nas muitas faces da trajetória que transforma o Videobrasil, originalmente um reduto do vídeo, no primeiro festival brasileiro de arte contemporânea dedicado a mapear e investigar as práticas artísticas que emergem desse “território” específico – a partir de um crivo que não se amarra às direções do mercado.
O programa que se desdobra diante do público do Sesc Pompeia e do CineSesc no 18º Festival atesta o amadurecimento de projetos caros ao Videobrasil. Ao desenhar diálogos e justaposições entre trabalhos recentes de quase cem artistas, a concepção espacial da mostra Panoramas do Sul faz mais que evidenciar discursos relevantes para essas regiões geopolíticas. Em uma perspectiva histórica, também deixa ver com clareza o impacto que a introdução do vídeo teve no sistema da arte, ao trazer para esse campo uma nova relação com o real e com a matéria, além de fatores – movimento, tempo, som, luz, projeção – que dão novas dimensões ao espaço e ao percurso expositivo.
Construída a partir de quase 2 mil submissões, num processo exaustivo, mas eficiente para garantir igualdade de oportunidade ao talento despercebido e aos artistas de países com mecanismos de prospecção e incentivo insuficientes, a mostra Panoramas do Sul deve sua abrangência, também, à articulação crescente das relações entre o Festival e instituições parceiras nas diversas regiões do Sul. Com plataformas diversas, mas intenções assemelhadas, elas constituem uma porta de entrada privilegiada para a produção local.
Em torno desses e de outros parceiros, arma-se ainda a rede estratégica que permite ao Videobrasil premiar participantes de Panoramas do Sul com residências artísticas – oportunidades de circulação, formação, produção e inserção – ao redor do mundo. O 18º Festival oferece prêmios de residência em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (São Paulo), Wexner Center for the Arts (Columbus, EUA), Residency Unlimited (Nova York, EUA), Red Gate Gallery (Pequim, China), Instituto Sacatar (Itaparica, Bahia), Ashkal Alwan (Beirute, Líbano), Raw Material Company (Dacar, Senegal), Arquetopia (Puebla, México) e A-I-R Laboratory (Varsóvia, Polônia) – e apoio da Res Artis (Nova York) e China Art Foundation (Londres, Reino Unido).
A rede de parceiros de residência consolida a busca do Videobrasil por mecanismos e formatos de intercâmbio – uma busca que, embora ganhe fôlego a partir de 2003, tem início muito antes, ainda nos anos 1990. Mais de trinta artistas contemplados com residências pelo Festival nesse período relatam o impacto da experiência em seu trajeto na publicação Em Residência – Rotas para pesquisa artística em 30 anos de Videobrasil, com edição própria. O livro será lançado no 18º Festival, em encontro que reúne as instituições parceiras para discutir hospitalidade e troca na experiência de residência artística.
Aberto ao público, o encontro integra os Programas Públicos, conjunto extenso e intenso de ações desenhadas para ativar os conteúdos do Festival – e que se soma às atividades de mediação e curadoria educativa, a cargo do Sesc São Paulo. Os Programas têm como preâmbulo o Projeto Fachada, série de projeções de obras do acervo do Videobrasil em fachadas de unidades do Sesc e outros espaços públicos da cidade. No curso do Festival, serão explorados focos temáticos suscitados pelas mostras Panoramas do Sul e 30 anos ou por outros conteúdos produzidos pelo Videobrasil em 2013.
Mote do Caderno Sesc_Videobrasil 09, as cartografias de um mundo em redesenho, vistas desde a perspectiva do Sul, constituem um desses focos. No lançamento da publicação, sua curadora, a artista gaúcha Marie Ange Bordas, explora a questão em conversa com colaboradores como o geógrafo Rogério Haesbaert e o intelectual camaronês Achille Mbembe, criador do termo “afropolitanismo” – condição contemporânea do africano que cruza mundos, equilibra identidades e mantém-se, essencialmente, africano – e renovador do pensamento acadêmico pós-colonial.
A performance, manifestação artística de relação estreita com o vídeo e presença recorrente no Festival, é outro foco dos Programas Públicos. No âmbito físico da mostra 30 anos, artistas e teóricos discutem a relação entre ato e registro, enquanto o artista Alexandre da Cunha e o grupo Chelpa Ferro reeditam performances históricas: respectivamente, Coverman (2001), um ponto de inflexão importante no processo de aproximação do Festival do campo das artes visuais, e Gabinete de Chico, experiência seminal do coletivo de arte sonora.
As reedições são sintomáticas da forma como o Videobrasil se debruça sobre o próprio passado ao fazer trinta anos: não com nostalgia, mas no intuito de atualizar a leitura da história do Festival, abrindo espaço para revisões necessárias e oferecendo uma contribuição valiosa para a historiografia recente da arte contemporânea, do Brasil e internacional, ainda pouco sistematizadas e estudadas. Do mergulho no acervo, surgem o livro 30 anos, que revisita pontos de transformação do Festival e da cena da arte contemporânea; mecanismos ágeis de escoamento de conteúdos, como o Canal VB; e o alimento para nova temporada do programa Videobrasil na TV, coproduzida pela Sesc TV. Além de um plano de aquisição de obras referenciais para a história do vídeo e da videoarte, exibidas ao longo do Festival em mostras informativas.
O comissionamento e lançamento de Deserto azul, segundo longa-metragem de Eder Santos, é igualmente significativo de um olhar que busca, no passado, o vislumbre da construção de um presente. Como o Festival, pelo qual fez passagens frequentes e sempre marcantes, Santos tem uma trajetória centrada no vídeo, e que o aproxima – lenta, mas inevitavelmente – do campo das artes visuais.
Também unida ao Videobrasil por uma relação de proximidade – foi, por logos anos, minha confiável assistente curatorial –, a artista visual Erika Verzutti dá continuidade, em 2013, à coleção de peças criadas por artistas contemporâneos brasileiros para serem oferecidas como troféus pelo Festival. Como antes Raquel Garbelotti, Luis Zerbini, Tunga e Rosângela Rennó, entre outros nomes estabelecidos no cenário contemporâneo, a escultora responde à demanda com um objeto de grande força expressiva, que expande no tempo o efeito sempre passageiro de um momento de realização.
Confluência de poéticas visuais, ações, reflexões e releituras, o 18º Videobrasil se configura como plataforma ampla, que contribui para estabelecer, no campo da arte, uma identidade construída a partir do vídeo, ao longo de trinta anos. De nossas visões do passado que se materializam no presente, nos dá particular alegria a proeminência que os novos discursos produzidos pelo Sul geopolítico do mundo vêm conquistando, diante da incapacidade do pensamento hegemônico de elucidar o mundo contemporâneo. De certa forma, é isso que se reflete no fato de Panoramas do Sul ocupar, aqui, o centro da cena.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil. De 6 de novembro de 2013 a 2 de fevereiro de 2014. p. 11 a 14. São Paulo, SP, 2013.
Texto de curadoria 2013
Um desenho improvável do Sul
Seria o artista um Sísifo social e histórico que busca permanentemente novos sentidos para os percursos de sua pedra sob uma inexorável lei da gravidade nas relações entre arte e sociedade?
Paulo Herkenhoff, Fluxos desiguais, 2006
Pensar o Sul como um campo complexo e movente, já não delimitado por fronteiras precisas, é um dos nortes da pesquisa curatorial do Videobrasil. A cada edição do Festival, que ocorre há trinta anos, um novo conjunto de obras adensa e expande um entendimento possível para a produção artística proveniente dessa região, lançando questões que nos remetem, em muito, à própria experiência humana no mundo globalizado. Um mundo crioulo[1], cujas negociações entre culturas já não se esboçam a partir de identidades compartimentadas, mas em seus processos de coexistência e dissolução.
Em um momento em que novos eixos de articulação geopolítica e econômica contornam a revisão das noções identitárias, diversas esferas da sociedade se esforçam para responder a esse contexto. Exemplo disso é a inclinação do Sul[2] global em repensar, a partir de seus desafios cotidianos, noções estanques e duais para o entendimento de suas configurações territoriais, suas trocas culturais e seu tecido social como um todo.
Campos de convivências, conflitos e fricções; é em meio a esses arranjos complexos que se forma o conjunto de ações contempladas pelos Programas Públicos do 18o Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil. As exposições Panoramas do Sul e 30 anos configuram-se aqui como centros de tensão que condensam e irradiam conteúdos e ações inscritos não somente no espaço expositivo, mas que se expandem em diversas formas de pesquisa e diálogo, geradas a partir desse espaço.
Da série de zonas de reflexão, passando pelas ativações do espaço expositivo, à plataforma de pesquisa on-line, os Programas Públicos sobrepõem leituras e articulam, ao entendimento da arte, vozes provenientes de outros campos do conhecimento. Ora, se a produção artística e cultural com a qual lidamos emerge e nutre-se de múltiplos discursos e gestos, é nesses campos de escuta e interações que queremos operar.
Ativar para refletir e vice-versa
Os encontros públicos do 18o Festival contemplam o corpo e a trajetória do Videobrasil a partir de aproximações transversais e convergentes às mostras que o compõem. Dentro e fora do espaço expositivo, esses encontros se debruçam sobre questões que perpassam as três décadas do Festival, em dois eixos de ações complementares: ativações e zonas de reflexão.
Da sobreposição de gestos curatoriais à reedição de performances históricas, o eixo de ações ativadoras sugere contornos ampliados ao Festival. Inscritas em grande parte no SESC Pompeia, que também celebra trinta anos em 2013, as ativações investem-se das potências que emergem desse território heterogêneo para insuflar novas experiências ao embate do público com a arte. Entre o Galpão e as passarelas que levam às quadras poliesportivas do Pompeia, uma série de percursos pelas exposições aponta para a desintegração de suas narrativas originais e instauram outras situações para assimilação dos conteúdos abrigados nesses espaços.
O segundo eixo de programação revisita o conceito de zona de reflexão, apresentado durante as 15a e 16a edições do Festival (2005 e 2007), e remete, mais uma vez, ao caráter transversal de seus encontros públicos. De debates informais a seminários, as discussões levantadas com as zonas de reflexão buscam extrapolar as especificidades do universo da arte para relacionar as obras das exposições aos seus contextos históricos, sociais, políticos, econômicos. Soma-se a isso uma proposta de abordagem pluridisciplinar das questões que emergem com os Panoramas do Sul, e que dizem respeito às edições mais recentes do Festival. Entre elas, a ficcionalização da natureza como um caminho para instaurar novas visões de mundo, as forças políticas que atuam nas configurações do espaço urbano, a prática da hospitalidade e as políticas de mobilidade no mundo globalizado.
Em conjunto, tais eixos representam movimentos de reapropriação gestual e discursiva das exposições que, por sua vez, são agrupados em uma série de blocos de programação apresentados ao longo de todo o Festival. O registro e a atualização do ato performativo, as novas perspectivas para se pensar o Sul geopolítico, o deslocamento como campo de interações, e a forma como a experiência do real e a imagem em movimento criam tensões de parte a parte estão entre as linhas temáticas dos focos estruturantes desses programas.
As ações educativas, elaboradas pela equipe do SESC, participam dessa programação, propondo não só percursos e mediações para as exposições, mas também atividades que tiram partido das estações de pesquisa e espaços de convívio concebidos dentro da instalação 30 anos. Esses espaços convidam o público a interagir com unidades móveis da Videoteca, que abrem para consulta uma série de obras premiadas ao longo do Festival, além de registros de performances e documentários da Videobrasil Coleção de Autores.
Plataforma VB: sobre palavras que formam mapas
É em meio a essa contextura de ações e agenciamentos que ganha corpo a Plataforma VB. Uma densa trama de investigações sobre a arte, a plataforma opera como uma ferramenta para pesquisa coletiva on-line, na qual as leituras de artistas, curadores, pesquisadores e público se interpelam. Como em um laboratório de interações, seus conteúdos esboçam estruturas rizomáticas, denominadas aqui de mapas mentais.
Concebida para operar de maneira perene, juntamente com as futuras ações da Associação Cultural Videobrasil, a plataforma nasce com o 18o Festival e nele baseia sua matriz de conteúdo. Os encontros abertos ao público e as obras incluídas nas exposições Panoramas do Sul e 30 anos apontam, assim, as coordenadas iniciais dos mapas e vetores cartográficos que a compõem.
Um modo de representar e estruturar processos cognitivos, mapas mentais são normalmente associados a diagramas centralizados, nos quais as conexões entre os elementos emanam de um só núcleo. Se as imagens de linearidade e causalidade suscitadas por esse tipo de representação colocam em xeque as derivas e errâncias do pensamento, estruturas oblíquas e rizomáticas[3] sugerem, por outro lado, uma cartografia plural. Quanto mais espessa sua polifonia, mais complexas as ligações entre seus vetores, e mais visíveis os gestos que desenham e revolvem os seus mapas.
“Desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas”[4], o mapeamento de ordem rizomática afirma-se, portanto, “como provocação, evocação e força motriz na transformação dos olhares e dos mundos”[5]. Essa espécie de epistemologia das relações encontra no ato de mapear seu principal método, e, no “mapeador”, um agente que aponta trajetórias capazes de fazer convergir, ao redor de conceitos e afetos, elementos aparentemente díspares e heterogêneos.
Ato gerador de palavras ou conceitos-chave que iluminam e dilatam os conteúdos da plataforma, o mapear habita o universo do verbo, trabalha sínteses, articulações e formações particulares de sentido. Dá a ver as afinidades evocadas pelos agentes que ali operam e propõe referências capazes de arejar a leitura dos trabalhos em questão. Diante dos contextos que provocam e contornam a experiência criativa, investe-se dos métodos, processos e avessos da arte para poder torná-los visíveis.
Cada palavra-chave incluída nessa malha relacional remonta aos procedimentos mais diversos: de livres associações até a depuração em mediações e práticas curatoriais, como é o caso do processo seletivo para a exposição Panoramas do Sul no 18o Festival. Esse trabalho propõe ainda a integração de novos temas e conceitos à descrição das obras que formam o acervo do Videobrasil. Realizado graças ao aporte de artistas, críticos, curadores e mediadores, ele favorece a ampliação dos vetores de pesquisa nessa coleção.
Em um gesto contínuo a esse processo, a plataforma revisita esse universo semântico, ao mesmo tempo em que propõe um léxico renovado de temas e conceitos para expandir o entendimento de seus conteúdos. Aqui, as palavras se renovam sucessivamente em camadas de leituras partilhadas, sugerindo um fluxo de interações que parte da fala do artista sobre seu próprio trabalho para integrar, pouco a pouco, novos horizontes de colaboração e mediação a essa tessitura de pesquisa coletiva.
Paralelos e meridianos em rearranjo
Estar atento ao presente é um fator importante para que uma manifestação sazonal, como essa, possa se renovar e interferir de forma perene em seu entorno. No caso do Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, a força motriz que o faz questionar os fluxos de produção e difusão artística também o impulsiona em direção a novos campos de fricção no universo das artes visuais. Começando pelo vídeo, linguagem dita “marginal” no Brasil dos anos 1980, o Festival vai pouco a pouco incorporando novas conexões que permitem ao Sul geopolítico contornar seu escopo curatorial.
Celebrar três décadas, à luz desses movimentos, é também um chamado para se pensar, junto com o público, o futuro de uma manifestação cultural em constante mutação. Esse horizonte de ação talvez passe por dilatar as imagens mentais sugeridas pelas coordenadas geográficas que demarcam o globo em paralelos e meridianos. Para além dos eixos horizontais-verticais, traçar linhas imprecisas que alarguem as fronteiras do nosso território, nosso contexto ou nosso próprio pensamento.
Talvez o Sul mova-se por territórios intangíveis, redesenhando linhas imaginárias na medida dos movimentos do homem, quando busca um norte para o seu existir. Se perseguir um norte é traçar um eixo, um guia, uma métrica, buscar um sul talvez implique trocar a bússola e a necessidade de orientação pelas porções incalculáveis do tempo-espaço – e deixar-se guiar pelo passo das relações. É em meio a esse território de negociações que os programas públicos do 18o Festival apresentam suas ações; como um convite para esboçarmos juntos novos desenhos do Sul.
por Sabrina Moura e Thereza Farkas - Curadoras de Programas Públicos
[1] Em uma clara alusão ao pensamento do martiniquês Édourad Glissant, o curador e teórico francês Nicolas Bourriaud reforça, no prólogo de Altermodern (2009), quarta Trienal da Tate, a imagem da criloulização para se pensar os fluxos culturais na globalização. Disponível em http://www.tate.org.uk/whats-on/tate-britain/exhibition/altermodern, em inglês.
[2] Sobre essa questão, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos sugere, no livro Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde una epistemología del Sur (Lima, 2010) uma proposta epistemológica para que o Sul trabalhe as bases de seu corpo teórico, à luz de seu contexto e seus saberes.
[3] “Oposto a uma estrutura, que se define por um conjunto de pontos e posições, por correlações binárias entre estes pontos e relações biunívocas entre estas posições, o rizoma é feito somente de linhas: linhas de segmentaridade, de estratificação, como dimensões, mas também linha de fuga ou de desterritorialização como dimensão máxima segundo a qual, em seguindo-a, a multiplicidade se metamorfoseia, mudando de natureza.” Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. São Paulo: Editora 34, 1995, pp. 32-33.
[4] Ibidem, p. 33.
[5] Monsaingeon, Guillaume. Mappamundi. Lisboa: Museu Coleção Berardo, 2011, p. 9.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil. De 6 de novembro de 2013 a 2 de fevereiro de 2014. p. 27-30. São Paulo, SP, 2013.
Texto institucional Danilo Santos de Miranda, 2013
Arte e Aberturas
A 18ª edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil propõe um olhar que se espraia no tempo e no espaço. Esses dois vetores, que se confundem com nossas próprias possibilidades de apreensão do mundo – como sucessão ou como contiguidade –, permitem cotejar parentescos e dissonâncias estéticas num escopo ampliado.
O mundo como sucessão: o espectador é convidado a visitar trinta anos de existência do Festival. Uma mostra histórica ativa o Acervo Videobrasil com o objetivo de sublinhar questões de pertinência contemporânea, a despeito da passagem de tempo. Trata-se de um modo de pensar a História: dar sentido renovado àquilo que passou, para buscar lucidez na construção do presente.
Ponto crucial nesse itinerário, iniciado na década de 1980 e marcado pela internacionalização e pela progressiva diversificação de linguagens, é a parceria com o Sesc, iniciada em 1992. Há, desde então, uma zona de convergência entre Sesc e Videobrasil, caracterizada pela diversidade. Para além da mera variedade, o que está em jogo aqui é dar visibilidade a formas de pensamento e expressão não cristalizados.
O pensador contemporâneo Edgar Morin – amigo presente nas nossas reflexões e ações – habita tal zona de convergência, constituindo importante referência por dar uma conotação geopolítica à diversidade. Morin nos convida a “pensar o sul”, ou seja, a considerar que a ideia de um Sul geopolítico oferece modos distintos de análise e compreensão da realidade. Valores ligados à convivência humana, à noção sistêmica de ambiente e à desconfiança acerca da racionalização excessiva, desenvolvidos em muitas regiões desse vasto “Sul”, funcionariam como oposição a um norte pragmático e homogeneizador.
A orientação do filósofo francês nos conduz a um segundo movimento: o mundo como contiguidade. A exposição Panoramas do Sul reúne facetas da produção artística operando numa chave distinta do eixo Europa Ocidental-Estados Unidos. Artistas da América Latina, África, Leste Europeu, Oriente Médio, Ásia e Oceania articulam um caleidoscópio de versões do hoje. Questionamentos sobre aspectos movediços da contemporaneidade – cidades, paisagens, fronteiras, identidades – materializam-se em seus contrastes mútuos e oferecem possibilidade de conversa com o espectador.
Os dois eixos expositivos configuram linhas de força de uma programação que conjuga ainda publicações, rede de residências artísticas, ações de formação e mediação. Cada aspecto ilumina a visão dos outros, figurando uma complexidade tão cara a Morin. Ao Sesc, ganha relevo a oportunidade de acolher o movimento da arte em sua fértil incompletude. Fica também o convite para que essa incompletude se transforme em abertura a múltiplos olhares, que assim podem efetivar a vocação emancipatória da cultura.ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil. De 6 de novembro de 2013 a 2 de fevereiro de 2014. p. 5. São Paulo, SP, 2013.