Memórias inapagáveis

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postado em 24/10/2014
O livro da exposição, coeditado pelas Edições Sesc SP e pelo Videobrasil, apresenta ensaios de críticos, curadores e pesquisadores sobre os artistas, obras e temas da exposição



“O projeto que se apresenta aqui considera, em larga medida, que forma e conteúdo andam de mãos dadas. É gratificante lembrar que o Acervo Videobrasil surge em um momento em que o vídeo é usado como ferramenta política de luta contra o próprio sistema da arte. Quero colocar em evidência o caráter essencialmente político e geográfico que encontramos nesta coleção, expresso em uma diversidade de formatos, técnicas, temáticas e experiências artísticas”.

Agustín Pérez Rubio













 

O livro Memórias Inapagáveis– um olhar histórico no acervo videobrasil reúne críticos de arte, curadores e pesquisadores de diferentes áreas em torno dos artistas e obras que compõem a exposição de mesmo título, em cartaz até 30 de novembro no Sesc Pompeia, em São Paulo. A publicação aprofunda o pensamento sobre a exposição, possibilitando uma análise crítica das obras expostas a partir da visão de outros pesquisadores. Agustín Pérez Rubio, diretor artístico do Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba), organizador do livro e curador da mostra, convidou autores (entre críticos de arte, antropólogos, linguístas e pesquisadores das áreas de cinema e semiótica) de nove países a escrever ensaios com base na mostra e nos trabalhos de 18 artistas de diferentes nacionalidades que abordam episódios de conflito históricos.

O “descobrimento” do Brasil pelos portugueses, a dizimação das populações indígenas, o tráfico de escravos africanos e sua herança, o atentado às Torres Gêmeas, o apartheid sul-africano, o massacre na Praça da Paz Celestial e diferentes guerras civis são episódios retomados pelas obras selecionadas por Agustín Pérez Rubio para a exposição Memórias Inapagáveis – um olhar histórico no acervo videobrasil. As obras escolhidas resgatam esses conflitos por meio de testemunhos pessoais dos artistas, que vêm de países como Argentina, Brasil, China, Colômbia, EUA, Marrocos, Quênia, Líbano e Zimbábue. Akram Zaatari, Ayrson Heráclito, Bouchra Khalili, Carlos Motta, Coco Fusco, Jonathas de Andrade, León Ferrari, Rosângela Rennó, Sebastian Diaz Morales e Walid Raad são alguns dos nomes que participam da publicação e da exposição que atesta o poder da arte na luta contra a amnésia histórica.

A mostra é fruto da iniciativa inédita dos parceiros Sesc São Paulo e a Associação Cultural Videobrasil de promover projetos de curadoria com base no acervo da Associação, que conta com mais de três mil títulos reunidos ao longo dos últimos trinta anos entre obras, documentários, documentos, registros e publicações. Para Solange Farkas, diretora do Videobrasil, o lançamento do livro da exposição “é mais uma estratégia voltada a cumprir a missão da Associação que, além da salvaguarda da coleção, busca a difusão das obras desses artistas do Sul global e a ampliação do acesso à arte contemporânea. Nesse sentido, os textos e ensaios dos autores convidados extrapolam as interpretações da curadoria, agregando novos valores, possibilitando leituras diversas e aprofundando a  reflexão em torno das obras e dos temas propostos pela curadoria”, ressalta Solange Farkas. Ela destaca que publicações e produtos audiovisuais, como os Cadernos Sesc_Videobrasil e a série de filmes da Videobrasil Coleção de Autores, também têm esta perspectiva de produção de conteúdo crítico sobre artes visuais e cultura contemporâneas.

O livro Memórias Inapagáveis – um olhar histórico no acervo videobrasil é uma coedição das Edições Sesc São Paulo e da Associação Cultural Videobrasil, com organização de Agustín Pérez Rubio, coordenação editorial de Teté Martinho e projeto gráfico de Celso Longo + Daniel Trench. Largamente ilustrado, o livro compila imagens das obras exibidas, bem como vistas da exposição no Sesc Pompeia, e tem seu conteúdo apresentado em português e em inglês.

A partir do lançamento, a publicação estará disponível para venda nas unidades Sesc SP (capital e interior), nas principais livrarias e também pelo portal www.sescsp.org.br/livraria


Mais sobre o livro

Agustín Pérez Rubio assina o texto Jogos de espelhos: Projetando memórias contra a amnésia histórica, que destaca a força da arte como testemunho de seu tempo e instrumento de preservação da memória histórica, além do importante papel desempenhado pela Associação Cultural Videobrasil na compilação e salvaguarda desses registros. A publicação traz também um ensaio do alemão Andreas Huyssen, pesquisador, professor da Universidade de Columbia (EUA) e editor fundador da revista New German Critique. Em Passados presentes: mídia, política, amnésia, Huyssen afirma: “não podemos discutir memória pessoal, geracional ou pública sem considerar a enorme influência das novas mídias tecnológicas como veículos de todas as formas de memória”.

É de autoria de Agustín Pérez Rubio o texto sobre a obra Vera Cruz. Seus olhares histórico e artístico se cruzam na análise da obra de Rosângela Rennó sobre o encontro entre os portugueses e os brasileiros nativos, baseada na carta de Pero Vaz de Caminha. Com sua experiência em antropologia, Lilia Schwarcz tece considerações acerca de A Arca dos Zo’e, documentário dirigido por Vincent Carelli e Dominique Gallois a partir de imagens produzidas pelos indígenas que integram o projeto Vídeo nas Aldeias. As camadas musicais, fotográficas, textuais e de vídeo usadas por Ayrson Heráclito e Danillo Barata na reconstrução da história da escravidão africana em Barrueco são abordadas por Gabriela Salgado, curadora que desenvolve um programa de intercâmbios artísticos entre África e América Latina. A também curadora Manuela Moscoso traça paralelos entre a Guerra do Contestado (1912-1916) no Sul do Brasil e a época em que foi feito o filme Contestado, A Guerra Desconhecida, de Enio Staub: em plena década de 1980, em meio ao surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Projeto Pacífico, de Jonathas de Andrade, oferece novas possibilidades políticas e geográficas para a América Latina por meio da sugestão de um terremoto, e é aprofundado por Pablo León de la Barra, curador especializado em arte latino-americana e responsável por este recorte em um projeto do Museu Guggenheim. O crítico e curador Inti Guerrero, reconhecido por suas incursões pelo circuito artístico do ocidente e do oriente, comenta Face A Face B em relação às práticas e aos artistas conterrâneos/contemporâneos de Rabih Mroué. A curadora Inés Katzenstein, renomada pesquisadora da arte argentina, esmiúça a colaboração entre León Ferrari e Ricardo Pons, que deu origem ao vídeo Casa Blanca, escancarada crítica ao imperialismo norte-americano.

Cristiana Tejo, curadora e doutoranda em sociologia, analisa a invisibilidade social das populações indígenas a partir do documentário O Sangue da Terra, de Aurélio Michiles. Com profundo conhecimento em história da arte e filosofia, a curadora Chus Martínez examina a pesquisa artística e os métodos de Walid Raad, que confundem realidade e ficções possíveis sobre a Guerra Civil do Líbano em The Loudest Muttering Is Over: Documents from the Atlas Group Archive. O trabalho de mais um artista libanês, Akram Zaatari, faz parte da exposição e da publicação: o vídeo In This House, que testemunha o desenterrar de uma carta escrita durante a Guerra Civil e é interpretado em suas diversas camadas narrativas pelo pesquisador e curador Manuel Segade. O apartheid sul-africano, colocado pelo artista Dan Halter em oposição às suas contemporâneas raves europeias, é comentado por meio de analogias ao cinema e aos scratch videos pelo curador português João Laia, integrante da Comissão Curadora do 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, que acontece entre outubro e dezembro de 2015.

A pesquisadora reconhecida no universo acadêmico da comunicação e do cinema, Ivana Bentes, aponta níveis semióticos da obra Unforgettable Memory, de Liu Wei, na qual a luta pela democracia na China, simbolizada pelas fortes imagens do “rebelde desconhecido” contra os tanques de guerra, é retomada. Sophie Goltz, curadora com especial interesse em time-based arts e na junção entre arte e etnografia, analisa a obra Lucharemos Hasta Anular la Ley, na qual o artista Sebastian Diaz Morales decodifica as manifestações populares. O curador Octavio Zaya, que falou sobre o tema “Como combater a amnésia histórica a partir da arte?” no primeiro encontro dos Programas Públicos da exposição, comenta o 11 de setembro a partir do ponto de vista do artista – e imigrante – Carlos Motta, na obra Letter to My Father (Standing by the Fence). Em Bare Life Study #1, Coco Fusco critica o tratamento dado pelos EUA aos seus presos políticos. Sua obra é comentada por Magda Gonzalez-Mora, curadora que tem como foco de sua pesquisa a arte produzida nos países em desenvolvimento.

O escritor e crítico marroquino Omar Berrada comenta Four Selected Videos From The Mapping Journey Project, de Bouchra Khalili, a partir de sua experiência pessoal com a obra, que apresenta os itinerários de imigrantes ilegais frequentemente perturbados por barreiras políticas ou geográficas. As performances My Possession e O Samba do Crioulo Doido – do duo Mwangi Hutter e do dançarino Luiz de Abreu –, levantam questões relativas à afirmação de uma identidade negra ou mestiça, e são comentadas, respectivamente, pelo pesquisador e professor de artes visuais Marcos Hill e por Ana Francisca Ponzio, jornalista e curadora especializada em dança.

Integram o livro o texto do sociólogo e Diretor Regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, e uma entrevista feita por Fabio Cypriano com Solange Farkas. Cypriano e a curadora, fundadora da Associação, conversam sobre a exposição e as demais estratégias desenhadas para colocar a coleção do Videobrasil em contato com o mundo. Os dois retomaram o debate no evento de lançamento da publicação que aconteceu como parte das atividades dos Programas Públicos da exposição no dia 21 de outubro de 2014, no Sesc Pompeia, com a participação do pesquisador Eduardo de Jesus.


Memórias inapagáveis: Um olhar histórico no Acervo Videobrasil
Organização de Agustín Pérez Rubio
Associação Cultural Videobrasil; Serviço Social do Comércio em São Paulo
São Paulo : Edições Sesc São Paulo: Videobrasil, 2014
320 páginas, bilíngue (português/inglês)
ISBN 978-85-7995-142-8
R$ 86,00

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LIVRO DA EXPOSIÇÃO
MEMÓRIAS INAPAGÁVEIS – UM OLHAR HISTÓRICO NO ACERVO VIDEOBRASIL

APRESENTAÇÃO

Os tempos e as movimentações da arte
por Danilo Santos de Miranda (diretor regional do Sesc São Paulo)

Em contato com o mundo
por Solange Farkas

ENSAIOS

Jogos de espelhos: Projetando memórias contra a amnésia histórica
por Agustín Pérez Rubio

Passados presentes: mídia, política, amnésia
por Andreas Huyssen

Rosangela Rennó
por Agustín Pérez Rubio

Vincent Carelli & Dominique Gallois
por Lilia Schwarcz

Ayrson Heráclito & Danillo Barata
por Gabriela Salgado

Enio Staub
por Manuela Moscoso

Jonathas de Andrade
por Pablo León de la Barra

Rabih Mroué
por Inti Guerrero

León Ferrari & Ricardo Pons
por Inés Katzenstein

Aurélio Michiles
por Cristiana Tejo

Walid Raad
por Chus Martínez

Akram Zaatari
por Manuel Segade

Dan Halter
por João Laia

Liu Wei
por Ivana Bentes

Sebastian Diaz Morales
por Sophie Goltz

Carlos Motta
por Octavio Zaya

Coco Fusco
por Magda Gonzalez-Mora

Bouchra Khalili
por Omar Berrada

Mwangi Hutter
por Marcos Hill

Luiz de Abreu
por Ana Francisca Ponzio

Arquivo Vivo – Uma entrevista com Solange Farkas
por Fabio Cypriano