No espaço entre educação, invenção e pesquisa, a dupla brasileira Kiko Mistrorigo e Celia Catunda tem talvez a mais inusitada trajetória entre uma geração de criadores que atravessaram o fim do período ditatorial brasileiro, o início da democratização, a herança construtiva na poesia concreta paulista e a radical experiência tecnológica proporcionada pela era digital. Partindo de soluções gráficas e formais para a palavra e o poema, chegaram a um intenso diálogo com o público infantil, sempre seguindo um mesmo princípio: oferecer ao espectador a chance de poder querer mais e melhor.

Hoje, com o personagem Peixonauta (uma produção exibida pelo canal Discovery Kids, e que teve sua estreia em abril de 2009), as ideias de Kiko Mistrorigo e Celia Catunda estão presentes em diferentes países e continentes. Até o final deste ano, as aventuras do personagem – um peixe espião que se engaja na defesa do meio ambiente – poderão ser vistas em grande parte do mundo árabe, quando começarem a ser transmitidas pela rede Al-Jazeera.

Entre o desejo do poeta Augusto de Campos, que sonhava com um verso capaz de girar no espaço, e as investigações do Peixonauta em um planeta sob ameaça, Kiko e Celia encontram uma sólida coerência, construída sobre várias formas de recusa: ao limite no campoda experiência poética, ao estabelecimento de um “gosto” para o público infantil (no Brasil, condicionado pela falta de ambição formal e intelectual das TVs comerciais) e ao papel de uma cultura nacional condenada a apenas repetir ou imitar as estratégias das indústrias de diversão europeia e norte-americana. Na gênese de todas as ações (que Kikoe Celia entendem também como resultado de felizes

circunstâncias), está a crença de poder existir um “modo brasileiro” de apreensão darealidade, condicionado pela experiência histórica nacional. Neste, a riqueza estariaemuma “necessidade criativa” capaz de fazer o máximo com o mínimo, permitindo assim que as mais fortes hierarquias (o infantil não pode servir também ao adulto?) possam ser retrabalhadas e recompostas, deslocando-se de suas posições originais. Nesse contexto, o Peixonauta está em Paulo Leminski como um dia André Breton e surrealismo puderam estar em Walt Disney.

A dupla Kiko Mistrorigo e Celia Catunda compõe a parte final da série Operação para as massas, integrada ainda por Arnaldo Antunes e Wilton Azevedo. O projeto propõe a investigação da presença do Projeto Construtivo Brasileiro na produção nacional hoje, a partir de seu mais revolucionário potencial: estabelecer uma relação criativa com a sociedade.

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