Depoimento Bill Viola, 1992
Encontrei o músico David Tudor em 1973 e incorporei-me a seu projeto “Rainforest”, apresentado em inúmeros concertos e instalações naquela década. Entre muitas outras coisas, aprendi com ele a perceber o som como algo material, como uma entidade. Minhas idéias sobre o visual mudaram, em direção o algo que chamo ”percepção de campo”, em oposição a maneira mais comum de perceber um objeto. Em muitos de meus vídeos usei a câmera segundo modelos cognitivos ou perceptivos que se baseiam mais no som do que na luz, pois percebo todos os sentidos como uma unidade. Não vejo o som como uma coisa separada da imagem. Em geral, pensamos na câmera como um olho e no microfone como um ouvido, mas todos os sentidos existem simultaneamente em nossos corpos interligados num mesmo sistema que inclui os dados sensoriais, o processamento neurólogico, a memória, a imaginação e todos os eventos mentais do momento. Tudo isso se soma no fenômeno maior que chamamos experiência. Essa é a verdadeira matéria prima, o "medium" com que trabalho. A ciência do ocidente achou necessário isolar as sentidos para estudá-los, mas uma boa parte do meu trabalho teve como objetivo juntá-los todos de novo. Assim, “percepção de campo” é a consciência ou a sensação de um espaço inteiro ao mesmo tempo. Baseia-se numa percepção passiva, receptiva, da forma como percebemos os sons, ao invés de uma atitude agressiva e fragmentada, característica do funcionamento de nossos olhos e da ação afuniladora da atenção humana. Uma percepção mais ligada à consciência do que à atenção momentânea. Pense em como você sente os eventos num sonho ou nas lembranças - através do que se costuma chamar o olho da mente. Em geral, ao recordar uma cena ou descrever um sonho, o fazemos de um terceiro ponto de vista, misterioso e separado. "Vemos" a cena e a "nós mesmos dentro dela", de alguma outra posição, com freqüência meio de banda e um pouquinho acima de toda a atividade. Este é o ângulo original da câmera, ele existiu muito antes de haver qualquer coisa parecida com uma câmera. É o ponto-de-vista que vaga à noite que pode sobrevoar montanhas, atravessar paredes e voltar pela manhã com toda segurança. A noção de que a câmera é uma espécie de olho por procuração, uma metáfora para a visão, não basta. Ela só imita grosseiramente a mecânica do olho e, com certeza, sem a visão estereoscópica humana integrada ao cérebro. Em ação, a câmera se parece mais com o que chamamos consciência. Talvez o encontro do vídeo com o computador, torne possível uma maior aproximação da verdadeira visão. Aprendi muito com meu trabalho com vídeo e som, muito mais do que preciso para aplicar em minha profissão. A verdadeira investigação é sobre a vida e o existir; o meio é apenas um instrumento nessa investigação. É por isso que a ênfase na tecnologia me perturba, sobretudo na América, onde há uma paixão pelos “gadgets” da alta tecnologia de “ Guerra nas Estrelas”. É por isso, também, que não gosto do rótulo de “video artist”. Eu me considero um artista. Se uso vídeo é porque vivo na segunda metade do século XX e o “medium” vídeo (ou televisão) é nitidamente a forma mais relevante de arte visual na vida contemporânea. A linha que percorre todas artes foi sempre a mesma. A tecnologia muda, mas é sempre a imaginação e o desejo que acabam impondo uma limitação real. Uma de minhas fontes de inspiração tem sido o poeta e místico persa Rumi. Ele escreveu: “Novos órgãos de percepção passam a existir em função da necessidade. Assim, aumente sua necessidade para aumentar sua percepção”.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. "9º Festival Internacional Videobrasil": de 21 a 27 de setembro de 1992, p.32, São Paulo-SP, 1992.