Entrevista 07/2009
Outros navios, que você criou para a 1ª Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea (MAM-BA, 2005), é sua primeira obra em vídeo. Como se dá a passagem para a imagemem movimento, no seu trajeto?
É verdade que comecei a trabalhar com vídeo a partir daí, mas meu interesse pela imagem em movimento já vem de longa data. Fotografo pensando em cinema. Na Mostra Pan-Africana, me senti à vontade para fazer isso, e as condições que me foram oferecidas facilitaram essa escolha.
Em Dead Horse, você propõe uma reflexão sobre foto e cinema, a partir da série de Muybridge e transpondo essa proposta para os blockbusters contemporâneos. Como você vê a relação entre fotografia e cinema nos dias atuais?
Dead Horse é um vídeo feito a partir de uma série de fotos que deu origem à imagem em movimento. O cinema se inova, entre outras coisas, nas tecnologias, na narrativa e, como não poderia deixar de ser, na fotografia, que, quando parece que tudo se esgotou, nos traz algo muito novo. Isso se você estiver falando de fotografia de cinema… A fotografia como uma arte paralela ao cinema, eu vejo, se aproxima cada vez mais da narrativa do cinema – na forma de editar e nos suportes.
Seus registros fotográficos se caracterizam, entre outros elementos, por apresentarem intervenções físicas e químicas. De que maneira o fato de ser graduado em química influenciou na sua criação artística?
A graduação em química acredito que não tem tanto a ver. Mas o meu interesse pela experimentação, que me levou a fazer química, esse, sim. Em tudo o que produzo há uma inquietação que me leva a querer romper com o modelo tradicional; acho que é assim com todas as pessoas que trabalham com criação.
Post No Bill foi realizado na Nigéria, um país que guarda muitas conexões com o Brasil, especificamente com a comunidade negra brasileira. Como surgiu a ideia de fazer o vídeo e que elementos a Nigéria aportou para o vasto arsenal simbólico de que se compõe o seu trabalho?
Eu sempre trabalhei com a ideia da reorganização do caos e do acúmulo de informações. E na Nigéria há uma espécie de organização dentro de um caos aparente que torna o resultado do meu trabalho um simples recorte da realidade daquele lugar. Não tem muito o que fazer, já está tudo pronto. Mas sobretudo o elemento humano em seu cotidiano foi o que mais contribuiu para o resultado do meu vídeo Post No Bill.
Você já expôs diversas vezes, em mostras individuais e coletivas, na África. Ter estado no continente modificou sua visão a respeito das culturas, vivências e realidades negras brasileiras que você desde sempre retratou em seus trabalhos?
Eu descobri não só na África, mas nos Estados Unidos, por exemplo, onde passei uma temporada em residência junto a uma comunidade negra, que existe uma ligação muito forte entre a África e a diáspora, mesmo em pequenos gestos, em qualquer parte do mundo. Eu estou citando isso porque, no dia do aniversário da pessoa que me hospedou durante a minha residência naquele país, ele recebeu um telefonema logo pela manhã da mãe, que vive no Alabama. Antes de qualquer outra manifestação, ela começa a cantar uma música para ele. Minha mãe também faz isso comigo em todos os meus aniversários.
Voltando à pergunta, acredito que a comunidade negra brasileira ainda precisa crescer muito em termos de identidade como negros, como brasileiros, para poder romper desigualdades que se arrastam ao longo de não sei quanto tempo.
A presença de sua mãe, tanto na série de fotos em que ela aparece quanto como referência, é notável em seu trabalho. Como o universo familiar, a infância em Minas Gerais, a realidade dos negros brasileiros modelaram a essência do seu trabalho?
O meu trabalho é sempre permeado de lembranças, boas e ruins. Aprendi muito com a minha mãe, a resistir e a acreditar. A realidade é uma coisa da qual não dá para fugir. Tenho meu trabalho como uma forma de enfrentá-la.
Em quais projeto você está trabalhando atualmente?
O vídeo Dead Horse foi contemplado no Filme em Minas do biênio 2008-2009, é um work in process e vai poder ser visto na íntegra até o final do ano. No momento, continuo trabalhando no meu material feito na Nigéria para a edição de um segundo vídeo cujo nome eu ainda não sei, tampouco onde vou mostrá-lo.
Associação Cultural Videobrasil. "FF>>DOSSIER 045 Eustaquio Neves". Disponível em: >http://www.sescsp.org.br/sesc/videobrasil/site/dossier045/ensaio.asp>. São Paulo, julho de 2009.