Biografia comentada 07/2009
Patrimônio Cultural da Humanidade, terra de Juscelino Kubitschek e de Chica da Silva, Diamantina, lugar onde vive e trabalha Eustáquio Neves, é um manancial de história a circundar o quartel-general do artista mineiro. As montanhas, a arquitetura das ruas d cidade e seu passado cravejado de jóias, mas também de conflitos e transformações, emolduram à perfeição o ofício do fotógrafo e videoartista: perscrutar, na paisagem humana que se reinventa a cada dia, os laços que mantêm coesos a identidade, os valores e a memória de um povo.
Nascido em Juatuba, a 45 quilômetros de Belo Horizonte, Neves se formou em química em 1980, mas o interesse por experimentar apenas sobrevoou as pipetas para instalar-se definitivamente no território artístico. “Em tudo o que produzo há uma inquietação que me leva a querer romper com o modelo tradicional; acho que é assim com todas as pessoas quetrabalham com criação”, afirma.
Da paixão pela experimentação nasceram ensaios fotográficos marcados por intervenções físicas e químicas que trafegam entre passado e presente, comoBoa aparência, sobre a forma velada de racismo que se encontra nos anúncios de empregos, ou Encomendador de almas, em que o fotógrafo capta, para além do palpável, a atmosfera impregnada de reminiscências, preceitos e conhecimentos ocultos em torno de Seu Crispim, habitante do quilombo do Baú, que tem como missão encaminhar as almas dos mortos.
Tradições cotidianas de inspiração africana que permanecem vigentes fora do Brasil também ocuparam o olhar do artista. Em 1999, Neves foi bolsista no Gasworks Studios, onde realizou residência com suporte da Autograph, associação de fotógrafos negros em Londres. Desenvolvido nesse período, o projeto Navio negreiro se nutriu, entre outras vivências, das peculiaridades dos habitantes de Brixton, em suas atividades rotineiras, bairro pobre de Londres, lugar onde o artista conta haver experimentado sensações de familiaridade, “sentimento de pertencimento”.
Em terras norte-americanas, novas identificações. Chamou a atenção de Neves o fato de, mesmo em pequenos gestos, perceber similitudes entre costumes de comunidades negras brasileiras e dos Estados Unidos.
Na África, o artista já realizou mostras individuais em países como Mali, dentro do 5º Rencontres de la Photographie Africaine, em Bamako (2003), e Moçambique, no ano passado. Neste ano, desenvolveu o vídeo Post No Bill, ambientado em Lagos e inspirado no recorrente aviso de “Não colar cartazes” que circunda a cidade nigeriana. Lá também ministrou o workshop de vídeoLinha imaginária.
Desde o início da carreira, Neves conta sempre haver tido presente o cinema na elaboração de seus projetos, mesmo quando se tratava de fotografias. “Fotografo pensando em cinema”, diz. Do pensamento à ação, decidiu se embrenhar pela imagem em movimento em 2005, quando apresentou Outros navios, sua primeira videoinstalação, construída com imagens da própria mãe, na 1ª Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, em Salvador. Em 2007, foi um vídeo, e não uma foto, que lhe rendeu o Prêmio Videobrasil WBK Vrije Academie, de residência na instituição holandesa, concedido durante o 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil (2007). A obra premiada foi Abismo virtual, reflexão sobre intimidade e mídias digitais.
Em Haia, onde realizou sua temporada de estudos, desenvolveu o projeto Dead Horse, maisum vídeo – desta vez diretamente ligado à sua fonte inspiradora, o cinema. O novo trabalho, em fase de conclusão, contempla a série de imagens The Horse in Motion, realizadas por Eadweard Muybridge no final do século 19, e os sucessos de bilheteria contemporâneos.