Entrevista Teté Martinho, 03/2006

Seus primeiros movimentos como artista foram, em suas palavras, usar uma câmera high-8 para aproveitar o “neo-realismo” que sua família e amigos ofereciam. Quando você começou, suas referências vinham basicamente do cinema? O que você já conhecia àquela altura e quais seriam suas maiores influências?

Minhas referências vinham, sim, do cinema. Sabia que, com a câmera, eu tinha uma responsabilidade que ia além de retratar as coisas, para depois esquecê-las. O fato de a câmera ser totalmente manual foi importante naquele momento, porque eu tinha de ajustá-la o tempo todo, tomar decisões. Até os 15 anos, só me lembro de filmes de ficção científica e de aventura, que eram os que mais me excitavam. Justamente nessa época, havia estreado O Parque dos Dinossauros, que foi uma chave para mim. Sempre uso o filme como cavalo de batalha em discussões: do ponto de vista técnico, era tudo o que se podia fazer visualmente, e isso me parece importante. Mas nem todo mundo se divertia com ele.

Em seus trabalhos, é freqüente a busca de uma narrativa construída com poucas palavras ou nenhuma, algo que chega a um momento irônico na língua inventada de Bienvenida a mi Mundo. Ao que você atribui essa fuga das palavras e o que ela te proporciona?

Sempre achei importante buscar uma identidade marcada, uma poética própria, autoral, e sempre apostei em uma busca formal, visual. Interessa para mim que as intenções dos meus personagens fiquem claras pelos gestos e expressões faciais. Quando escrevi o texto de Bienvenida a mi Mundo, busquei uma universalidade. Queria que houvesse lógica entre as legendas e palavras faladas, como em um idioma real. E usei muitos jogos de palavras, gosto de sua ironia. Como o texto não fazia sentido, para mim ele era uma preocupação a menos. Como diretor, me concentrei nas ações, nas intenções.

Interferir e alterar o quadro do vídeo é um procedimento recorrente em sua obra, de Camitas (1999) a Roger (2005). Isso atende a qual necessidade sua e que resultado produz?

Interferir no quadro é o que realmente me diverte. Creio que tem a ver com criar estruturas mais fiéis ao pensamento. A sobreposição de quadros dá a quem assiste uma noção do todo da obra. Em princípio, você vê um fragmento do filme, mas enquanto o vê e interpreta, também está pensando nas imagens que já passaram antes, e especulando sobre o que ainda virá. Mexer no quadro, para mim, é jogar com esses quebra-cabeças mentais, mostrar mais de uma coisa de uma vez só. É assim que interpreto. Em geral tenho uma idéia gráfica, plástica, e aí penso nas possibilidades de comunicação que ela oferece. 

Você diz que sua busca é pelo novo, por algo capaz de surpreender olhares que se tornaram passivos diante da saturação de imagens que vivemos. Em sua experiência com o vídeo e a imagem, o que é este “novo”? O que surpreende?

Pergunta difícil. Meus trabalhos são tentativas de respondê-la. Tem a ver com pegar alguém desprevenido e tem a ver com os recursos que se usa. Tem a ver com propor problemas levando em conta esses recursos: como faria tal coisa? Acho fundamental estar ligado no que se produz, para não repetir, para evitar o lugar-comum. É por isso que eu adoro os festivais e os debates, e acho importante que os artistas possam mostrar suas obras continuamente, seja onde for. Assim, todos podemos ir aperfeiçoando essa idéia do “novo” a partir das obras dos outros. Você pode querer comunicar qualquer coisa, mas não pode jamais refazer algo que já existe. Acho que vale, inclusive, fazer algo que chame a atenção só por ser diferente. Há achados profundos e outros que são simplesmente algo novo, uma combinação de cores. É importante criar essa excitação que sentimos ao ver uma coisa nova, ao sermos surpreendidos. Só com isso já conseguimos, digamos, uma fidelidade do olhar do outro; em troca disso, ele vai nos dar o tempo dele para ver onde aquilo vai terminar.

Como criar algo de novo em um gênero comercial como o videoclipe? Você tenta fugir de determinados procedimentos?

A primeira coisa importante sobre o clipe é que ele propõe um problema, um ponto de partida. Não é como começar de uma folha em branco. Você começa interpretando, respondendo, reagindo. A música é um grande estímulo quando ela realmente nos interessa. Um clipe pode ser comercial ou pode ser uma resposta pessoal a alguma coisa. Já fiz ambos. Quando, em um projeto, não há lugar para propor, se expor, arriscar, ele não faz sentido. É tempo perdido. Os clipes me interessam na medida em que eu possa deixar algo de meu neles.

Você fala em “duvidar da técnica”. O que isso significa?

Duvidar da técnica é buscar os limites das ferramentas, descobrir tudo o que é possível fazer com elas. Há milhões de maneiras certas de fazer as coisas. Pode-se criar com um mínimo de ferramentas. Não é preciso ser um virtuose da técnica. O mais provável é que encontremos as saídas para fazer o que queremos em nossas próprias limitações. Mas é preciso ter consciência do que é possível fazer com as ferramentas. E criar seus próprios métodos. Em um documentário sobre a história do cinema, ouvi Martin Scorsese dizer uma coisa sábia. Para ele, ser talentoso não é uma coisa de nascença, não é ser um gênio. É apenas poder fazer bem o que sabemos fazer bem. Por isso é interessante que haja limitações para a criação. Elas nos obrigam a resolver nossas idéias, a ter idéias a partir do problema. As soluções são algo muito particular. É essa particularidade que me interessa buscar.

De onde surgiu o argumento de Roger e como você chegou à representação cênica do vídeo?

O argumento de Roger surgiu da representação cênica. Foi nessa ordem. Então me perguntei que história esse recurso específico me permitiria contar. Primeiro surgiu a idéia de passarmos de um quadro a outro, como se fizéssemos zoom out em um enquadramento clássico de cinema e fôssemos aonde os personagens vão quando saem do quadro - os personagens, não os atores. O problema era como criar essa sensação sem ter que amarrar 50 câmeras uma ao lado da outra (ainda que isso fosse extremamente interessante), porque não contava com isso. E eu queria resolvê-lo, realizar essa idéia, queria que o vídeo existisse. Então surgiu a idéia do looping visual, que tem exatamente o mesmo significado que o musical. 

Qual é o papel da música em seu trabalho? Qual a diferença entre criar imagens a partir de uma canção, na estrutura fechada de um clipe, e ao vivo, durante a apresentação de uma banda ou DJ?

O clipe é uma obra fechada, que dá dimensão e interpretação a uma canção. É uma nova obra, a versão multissensorial da canção. É mais planejado, pré-produzido. Ao vivo, trato de fazer o mesmo, na verdade. Vou com planos pré-determinados, mas flexíveis. A intenção é que sejam conceitos fechados, mas deixo certas estruturas abertas para me acomodar à representação ao vivo. E há vezes em que me divirto, improviso e experimento. O que faço é gerar estoques de idéias visuais. Pequenas estruturas modulares que interpreto ao vivo. É como formar acordes, adicionar teclas a um piano. Com a banda tento abarcar um conceito mais de show, de videoclipe ao vivo. De ter algo mais pronto. 

Quais são seus projetos agora?

Tenho várias idéias, mas elas têm de ser acomodadas aos espaços de tempo livre que meu trabalho “de subsistência” deixa e ao cansaço que ele produz. Trabalho em publicidade como diretor de arte e designer e às vezes me sinto absorvido criativamente por isso, ainda que não queira. Estou com vontade de fazer um projeto longo, de realizar uma obra que dure, que seja completa. Não sei se será um filme narrativo. Mas me interessa o formato de algo longo, que oferece um bom tempo para expor idéias e pressupõe uma forma de exibição, como uma sala escura onde se entra e se pode mergulhar na tela. Pode ser algo em formato de show também. Tenho que decidir. Há alguns videoclipes a caminho também, de artistas argentinos que me interessam pelo que fazem musicalmente e pela liberdade que me dão de criar o que quiser.