Ensaio Güven Incirlioglu, 04/2005
Um tipo de violência em particular é o tema subjacente à obra de Ethem Özgüven, algo característico de sua parte do mundo. Esse tipo de violência não é o ataque gratuito de pessoas esquizofrênicas e alienadas, e também não é apenas o terror causado por uma estrutura de poder altamente organizada; trata-se de uma violência transparente, consentida e motivada quase que pela “melhor das intenções”. A psique dividida entre tradição e mudança tende a recorrer ao fascismo corriqueiro da vida cotidiana, em nome da família, da nação, da religião, do progresso, do desenvolvimento, da modernidade, do reconhecimento e, em última instância, do lucro. Em alguns casos, tudo aquilo que é realizado para favorecer a maioria no que se refere a empregos e oportunidades (mineração de ouro_”The people of the light's long walk”) acaba se voltando contra a própria existência dessa maioria, contra a Terra e contra a vida, desafiando leis, ordens judiciais e inúmeros protestos dos habitantes locais. Em outros casos, o meio “tradicional” de acertar as contas em família (violência contra a mulher_”F”) entra em conflito com a tão desejada ocidentalização e se torna duplamente letal. Em outros casos ainda, o setor mais “ecologicamente correto” (turismo global_”Little lake”) pode reinar livremente, sem muita fiscalização, causando a degradação extrema dos locais pelos turistas e pelos habitantes locais, saqueando terra e mar. Além disso, o conjunto formado por propaganda, mídia corporativa e esporte (futebol), enquanto espetáculo de linchamento, é empacotado e manipulado para transformar todos em cúmplices nessa violência transparente (“Delirium”).
No passado, outras atrocidades foram documentadas neste país: golpes militares e os sangrentos períodos que os seguem, prisões, torturas e execuções, vilarejos queimados no Sudeste, migrações forçadas e assassinatos “sem solução” que constituem a violência infligida em nome da nação. Além disso, organizações mafiosas e altos níveis de corrupção são indícios de que um violento crime está sendo cometido contra o patrimônio do povo. Tudo isso acontece sob os auspícios de alguma “autoridade” e, o que é mais importante - e mais triste -, com a aprovação das massas tranqüilizadas do fascismo comum.
Em suas obras, Ethem Özgüven está muito consciente de que a violência é generalizada e de que os perpetradores muitas vezes estão tão espalhados que quase chegam a incluir “todos nós” como cúmplices passivos do crime. Ainda assim, mantendo um ponto de vista ético e sem recorrer ao “moralismo” manifesto, Özgüven desmonta os mecanismos de poder por trás do mal, utilizando formas conhecidas de manipulação da opinião pública, entre elas a montagem em ritmo veloz da publicidade e o discurso “neutro” do documentário, em alguns casos satirizando sua ”confiabilidade”. Os “spots” comerciais de Özgüven são uma reação direta e uma crítica à profissão (da publicidade), em grande parte já esgotada, com pitadas de discurso ”criativo”.
No final, tudo se resume à postura, à atitude que o artista/intelectual não pode (ou não deve) deixar de ter nessa parte do mundo, contra uma existência violenta, diante da distribuição do poder e do capital em um mundo globalizado. Em outras palavras, viver uma vida destinada a despertar os demais: vejam o que fizemos com outros povos, com a Terra e com nossas cidades, com nossa história, com os pássaros e peixes e com nossas próprias vidas, que se tornaram tão monótonas e empobrecidas quando nos tornamos cúmplices silenciosos desse crime invisível que foi cometido em nosso nome…