Entrevista 05/2009

Como você ingressou no mundo da produção artística e quais foram suas primeiras experiências?

Desde muito jovem fui influenciado por meu pai, José Mário Barata, pintor, autodidata, que desenvolvia uma produção árdua com seu cavalete e suas tintas a óleo. As conversas sobre arte tornavam-me cada vez mais interessado nos processos artísticos. Ingressei em 1997 no curso de licenciatura em desenho e plástica da Universidade Federal da Bahia. A Escola de Belas-Artes tornava-se o ponto de referência para meus estudos como arte-educador, pois lá poderia desenvolver trabalhos que refletissem o papel do artista como um interlocutor na sociedade. A educação tornava-se uma estratégia a ser utilizada por mim nessa empreitada. 
Entre 1998 e 2000, trabalhei no núcleo de cenografia do teatro Castro Alves, sempre incorporando minhas práticas profissionais e as pesquisas desenvolvidas na Escola de Belas-Artes ao processo cênico.
A partir do estudo da fotografia, no segundo ano de curso, tive um deslumbramento com aimagem. O professor Ailton Sampaio me sensibilizou no sentido de dar início à passagem da fotografia estática para a fotografia em movimento. Nascia, assim, o meu primeiro curta-metragem, Barbearia ideal, filmado em 16 mm. Em 2000, na Diretoria de Imagem e Som da Fundação Cultural do Estado da Bahia, desenvolvi uma série de trabalhos em vídeo e o projeto Videoclipes de apoio aos novos talentos da música baiana. A articulação entre a imagem e o som, na perspectiva do videoclipe, tornava o trabalho muito interessante do ponto de vista de minha formação profissional. Durante esse processo de investigação audiovisual, criei um grupo de estudos sobrepoéticas visuais com colegas da Escola de Belas-Artes. Para fundamentar nossos encontros, frequentávamos assiduamente as bibliotecas da Escola de Belas-Artes e da Facom (Faculdade de Comunicação); nossas leituras e “ensaios audiovisuais” ajudaram a desenvolver uma abordagem poética no processo audiovisual. No sexto semestre do curso, fui convidado pelo diretor do ICBA (Instituto Cultural Brasil-Alemanha/Instituto Goethe) a participar da coletiva Terrenos, com artistas que tinham em comum uma identidade de linguagem, fortes características criativas e de contemporaneidade, como Zuarte, Marepe, Zau Pimentel, Ayrson Heráclito, bem como outros artistas contemporâneos da novíssima geração. Foi minha primeira mostra.

No vídeo Narciso, você atesta: “Meu nome é Danillo Barata, e o meu trabalho é a minha verdade”. O corpo é parte imprescindível dessa verdade?

Venho perseguindo o que é verdadeiro para mim. Acredito que esse trabalho trata não só da vaidade do autor, mas também do que é ser artista na contemporaneidade. A relaçãonarcísica com a sociedade de consumo e a necessidade de espelhamento foram determinantes para o conceito da obra. O enfrentamento com o corpo e a relação com o espelho determinaram o olhar para o diálogo conceitual do trabalho. Narciso foi a minha primeira experiência formal em vídeo. O interesse por expressar o rompimento e a apropriação de minha própria imagem foi determinante para o início da pesquisa com o corpo. A despeito da fotografia e do filme, existem outras maneiras decapturar a imagem. O espelho é a principal forma de inspecionar o nosso corpo; quando a câmera e o vídeo substituem o espelho, temos a body art, a arte do corpo. A imagem no espelho era eu mesmo e mais alguém. Interessava-me, sobretudo, como experimentar minha vontade de tratar de um mito grego que trazia muito do universo contemporâneo, e que se amarrava a conceitos atuais como espelhamento e reflexão.É importante relatar que eu experimentei uma forte relação com o meu corpo por estar posando e misturei isso a uma tradição do autorretrato.

Ainda em Narciso, em seu ombro esquerdo se vê uma tatuagem que reproduz o código de barras de produtos comerciais. O corpo industrializado, produzido em série, é o corposintonizado com as demandas do mundo contemporâneo?

Os padrões estéticos ditados pelo mundo fashion vão além da prescrição do que vestir, interferindo na construção social do corpo. Tais padrões, tornando-se pontos de referência, lançam o homem numa procura desenfreada de “espelhos externos”, fetiches de uma sociedade de consumo que possibilitam a construção de uma imagem ideal. Assim, o homem ocidental rende-se a estilos muitas vezes impostos, sendo seduzido pela mídiaa “comprar” modelos físicos distantes da sua realidade. Vive-se um tempo de extremo inconformismo com o próprio corpo, a tal ponto que a modificação do físico por meio de interferências cirúrgicas, implantes e mutilações é algo corriqueiro, banal. Numa tentativa de autovalidação, o mundo das aparências criado pelos sistemas da moda eda publicidade se apropria da permanência do objeto artístico, fazendo constante referência e buscando inspiração em obras de arte consagradas. No entanto, tais esforços não conseguem sobreviver ao imediatismo de uma sociedade que se rende aos fenômenos midiáticos. Curiosamente, a necessidade de se expor em conformidade com os padrões corporais do momento busca sua validação em representações de mitos televisivos e imagens que são efêmeras ao extremo, caracterizando assim a obsolescência do corpo, que passa a estar em constante necessidade de atualização. Essa corrida por padrões cada vez mais distantes e inatingíveis gera um imenso vazio que potencializa a eterna insatisfação do homem moderno. O homem em relação aos prazeres do mundo e à luz da compreensão que a religião tem do corpo – seja o catolicismo ou o Candomblé – também tem lugar de destaque em suas poéticas. O corpo é chave para a complementaridade ou para o conflito entre homem e divindade? Acredito que o corpo histórico, o corpo que se inscreve como lugar de acontecimentos, ou seja, o corpo que é fruto das transformações culturais, sociais, econômicas e estéticas, está na base da complementaridade entre o homem e o divino. A minha religião integra a natureza e o corpo para dar passagem ou comunicar-se com o sagrado. Nesse sentido, acredito nas dinâmicas contemporâneas que incluem o sincretismo.

Além do corpo, o Candomblé é uma manifestação que atrai seu interesse. Por quê?

Faço parte do terreiro Gun Cevi da nação jeje mahim e sou filho do Rombono José Carlos. Trata-se de uma nação que quase foi extinta na Bahia. A resistência foi a base de nossa manutenção. Fiquei encantado com a nobreza da Gaiakú Luiza da Rocha (Fomo Oyássi),que esteve à frente da nação jeje mahim no Rumpami Rum Maú em Pedras do Macaco – Cachoeira. Minha produção em muitos aspectos faz menção a um povo que lutou e luta pela manutenção de sua identidade e pelas suas políticas de pertencimento.

Alguns trabalhos seus,como a série Panorama 360º , apresentam imagens de uma iniciação do Candombléque não são fáceis de obter, pelo fato de que raramente se permite a filmagem nesses momentos. Como foram realizados os registros e o que foi preciso para convencer os envolvidos a deixá-lo usar essas imagens?

Em 2008 tive dois trabalhos comissionados pelo Museum der Weltkulturen de Frankfurt:os documentários Leben mit den Goettern: der Afrobrasilianische Candomblé in Salvador da Bahia e Yemanjá, Goettin des Meeres: das Fest. O convite surgiu pelo fato de a produtora conhecer minha inserção na religião e pelo respeito e conhecimento que tenho dela. Ela também é uma pessoa que possui muitos vínculos com a religião. De todo modo, oprocesso de convencimento se dá através de muita conversa e de limites éticos implícitos. Finalmente, tenho um banco de imagens muito generoso de algumas cerimônias.

Em que projeto você está trabalhando agora?

Desenvolvo, neste momento, um projeto para a Werkplaats voor Beeldende Kunsten VrijeAcademie, na Holanda, que conta com a pesquisa dos historiadores João José Reis, Fláviodos Santos Gomes e Marcus J. M. de Carvalho. Trata-se da trajetória de vida de um africano muçulmano chamado Rufino. Ele foi trazido como escravo para a Bahia no século 19 e vendido para o Rio Grande do Sul, onde comprou sua alforria. Em seguida, embarcou no Rio de Janeiro como cozinheiro de um navio negreiro. Em 1841, outro navio em que trabalhava foi apreendido pelos ingleses e levado para Serra Leoa, onde ele ficou e estudou a língua árabe. De volta ao Brasil, esse personagem fixou residência em Recife, onde foi preso em 1853 sob suspeita de conspiração escrava, e contou a história de sua vida sob interrogatório. A proposta de meu trabalho é criar uma narrativa audiovisual que discutaas experiências, os contextos e os sentidos da movimentação desse africano pelo mundo atlântico, usando para isso um formato imersivo multitela. Ganhei em 2007, no 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC_Videobrasil, o prêmio de residência artística Prêmio Videobrasil WBK Vrije Academie. A Vrije Academie oferece estúdios de pós-produção e ensaio para formatos instalativos e performances envolvendo mídia. Lá, iniciei um trabalho no Panorama 360º, que usa dez projetores para criar um ambiente imersivo com 360º de imagem em movimento sincrônico. Trata-se de uma estrutura interessante para pensar o conceito de vídeo expandido. Em maio e junho de 2008, concluí uma primeira etapa doprojeto, que pretendo finalizar em uma próxima viagem. Foi necessário voltar à Bahia e coletar mais imagens. Com o olhar treinado e a experiência adquirida na primeira viagem, terei oportunidade de finalizar o projeto. Retorno em julho de 2009 para finalizar o projeto e espero que possa ser potencializado, através de mostras agendadas pela Word Wide Visual Factory, que tem à frente Tom van Vliet, criador do World Wide Video Festival.