Ensaio Elaine Ng, 06/2009

Jamsen Law demora muito tempo para responder e-mails. Em minha última troca de correspondência eletrônica com o videoartista, perguntei incidentemente se ele tinha algum trabalho que eu pudesse inscrever em um novo prêmio de new media art. Ele levou um mês para responder, no entanto, sua resposta foi longa e reflexiva. Era 2004, o ano em que ele deixou Hong Kong para ir à pequena cidade rural de Ogaki, no Japão, fazer um mestrado em media art no Institute of Advanced Media Arts and Sciences (Instituto de Media Arts e Ciências Avançadas – Iamas). Ele escreveu: “Talvez você me entenda; neste período de meio de carreira, o que mais tenho feito é me autoavaliar. Francamente, não me importo em abandonar a media art ou mesmo a arte em geral, após esses dois anos no Iamas. Pelo menos eu entendo porque escolhi fazer isso”.

Cinco anos se passaram desde aquele e-mail, e Law não abandonou a arte, afinal. Ele também continuou buscando a “autoavaliação” em sua prática artística, principalmente por meio de vídeos, escrita e teatro de performance experimental. A reflexão sempre foi um tema subjacente na obra de Law, mesmo antes da “confissão” que ele me fez por e-mail em 2004.

Nascido em Hong Kong em 1973, Law se envolveu com performance e videoarte quando estudava na Universidade de Hong Kong, no início dos anos 1990, por meio de atividades organizadas pelos grupos multidisciplinares locais de arte 20 Beans + A Box, Zuni Icosahedron e Videotage. Essas organizações não só promoviam formas de arte experimental, mas também defendiam práticas artísticas socialmente engajadas, de modo semelhante aos grupos de arte que floresceram na Europa e na América do Norte na década de 1980, como o Black Audio Film Collective, de Londres, e o Paper Tiger Television, de Nova York. Esses grupos alternativos, muitas vezes politicamente engajados, procuravam discutir questões que eram muitas vezes deixadas de fora do discurso mainstream – questões relacionadas a lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT), aos direitos das mulheres e à liberdade de expressão.

Law era um jovem gay em uma sociedade extremamente conservadora em um momento de transição. Seus primeiros vídeos foram feitos em meados da década de 1990, um período de grande ansiedade para os cidadãos de Hong Kong, na expectativa da entrega de Hong Kong pelos britânicos à China, em 1997. No entanto, a década de 1990 também foi historicamente importante para a comunidade LGBT em Hong Kong: a homossexualidade foi descriminalizada em 1991.

Muito embora a arte baseada na política da identidade já estivesse fora de moda na década de 1990 em lugares como Nova York – onde o gênero atingiu seu auge nos anos 1980, com artistas como Adrian Piper e Gregg Bordowitz analisando raça, classe e gênero em seus trabalhos –, essa prática autorreflexiva permaneceu um território não mapeado para os artistas de Hong Kong.

Os primeiros vídeos de Law, Every Time We Say Goodbye, Bathroom Fantasy (1997), I went up there and I saw someone bathing (1998), I think therefore I am confused (1998) e Re-presenting Queer Propaganda and Works (1998) foram explorações iniciais do meio – experimentando com luz, cor e som, e abordando questões relevantes para o artista, aquilo que ele descreveu como a “representação de um desejo indescritível”.

Muito embora ele não estivesse ainda na metade de sua carreira, aos 27 anos de idade, sua série de vídeos Matching Four with Twelve, com quatro capítulos e concluída em um período de cinco anos (2000-2005), coincidiu com seu mestrado em media art no Iamas.

Na época, ele me escreveu: “Francamente, não me importo em abandonar a media art ou mesmo a arte em geral, após esses dois anos no Iamas”. Um crítico descreveu essa série altamente abstrata, composta por manipulações de imagens sem uma estrutura narrativa real, como sendo cheia de “tomadas longas e monótonas”. Mas como em um diário, um haicai ou mesmo uma postagem no Twitter, Matching talvez nunca tenha sido pensado para o consumo de massa. Na verdade, diários costumam ser extremamente monótonos para qualquer um que não seja o autor ou aqueles intimamente envolvidos na vida do escritor.

O primeiro capítulo, Digesting Patience (2000), revela uma imagem com cores saturadas e pixelizada de um jovem chinês olhando fixamente para a câmera enquanto mastiga sua comida em diferentes cenários domésticos. À primeira vista, o trabalho se parece com as primeiras experiências de processamento de imagem da década de 1960: imagens aleatórias de paisagens de cidades e de homens musculosos vestidos em trajes sumários surgem e desaparecem lentamente ao fundo. Ao final desse clipe de oito minutos, estamos novamente a sós com o jovem, que se reclina em um sofá com as pernas abertas e, sim, continua comendo. No entanto, embora a obra pareça retratar o simples ato de ingerir comida, o espectador fica desconfortavelmente envolvido em um ato duplo de voyeurismo, no qual o jovem assiste ao espectador lhe assistindo, como nos breves encontros de cibersexo por meio de uma webcam.

A cidade cresce, o conteúdo erótico prolifera diariamente na web, e o mesmo acontece com os impulsos sexuais das pessoas.

Mapping Vapour (2002), o segundo capítulo da série, começa com cenas de uma plataforma qualquer do metrô de Tóquio que, fragmentada, se transforma em um quebra-cabeça em forma de grade. Alguns quadrados revelam imagens de isolamento – pessoas andando para trás ou um trem se movendo em marcha a ré, um jovem falando ao celular, uma vista do mar, carros vagando na noite. Lentamente, a imagem muda revelando um grande cruzamento de Tóquio, com pessoas atravessando a rua, e em seguida um videoclipe de dois homens jovens se abraçando, que está em loop. Um dos quadrados da grade, contendo a imagem desses dois homens, se multiplica em dois, depois de dois em quatro, e logo a tela inteira se enche com os dois homens em uma imagem composta pixelizada, novamente, de um modelo masculino altamente sexualizado em várias poses sugestivas. A imagem final é a do homem, cuja cabeça se arqueia para trás, sugerindo um clímax. Isso nos traz abruptamente de volta à realidade: uma imagem em branco e preto de um jovem chinês dormindo no chão de um apartamento sujo. Depois, o jovem varre pacientemente a poeira.

A música remete a uma jornada por um longo túnel, uma composição desconfortável que poderia ser a trilha sonora de um sonho. O vídeo termina com um carro viajando pela cidade à noite, e em seguida corta para um dia de sol em uma estrada de uma pista só no deserto.

O terceiro capítulo, Orchestrating Apollo (2005), retorna às imagens de paisagens de cidades. No entanto, durante todo o vídeo, as letras do hino escolar dos meninos do ensino médio da Faculdade Ying Wa, Home of Our Youth, de Rupert Baldwin, corre pela parte inferior da tela como em um vídeo de karaokê. Law registra a cidade de Hong Kong ao longo do tempo, do amanhecer até o pôr do sol, do porto ao nível do mar e depois do alto da montanha Victoria Peak. Por sobre as imagens urbanas, é sobreposta uma animação digital simples de um desenho de uma linha só, feito por um menino.

O vídeo de nove minutos é acompanhado por música de órgão de tubos, algo que poderia acompanhar um carrossel em um parque de diversões. Lentamente, a imagem da cidade se esvai em meio a imagens sobrepostas de uma chama queimando, os telhados de um subúrbio japonês e uma cena de uma caminhada por um vilarejo. Então, a tela se divide em dois retângulos nos quais dois jovens usando uniformes de futebol idênticos aparecem encostados em uma parede. Um dos meninos lambe um picolé lentamente, enquanto o outro simplesmente parece tão entediado quanto ele. O fundo se transforma em um trem correndo, e em seguida uma animação digital do menino volta, agora de cabeça para baixo. O trem e o menino em seguida se transformam em uma forma vermelha e pulsante, parecida com uma célula, acompanhada de música eletrônica oscilante.

O espectador se esforça para entender as imagens que surgem e desaparecem – olhando com bastante atenção, aparecem imagens de homens fazendo sexo. Uma nova caixa surge no centro da tela, contendo um homem jovem que dorme, cobrindo seu corpo com os braços; a imagem gira e a música carnavalesca segue em um crescendo. A obra termina abruptamente, com a música ficando suave e ambiente, uma tomada noturna de Hong Kong com sua paisagem e luzes de neon piscando, enquanto os meninos do vídeo trocam de lugar e são liberados das caixas que os confinavam.

A obra final dessa série em quatro partes, Swearing Coming (2005), começa com a imagem em branco e preto de um jovem que parece cansado e derrotado dentro de um quarto bagunçado. Em seguida, a imagem muda e mostra a vista de uma janela de trem, com o campo correndo diante de nossos olhos. O espectador é então presenteado com uma visão contemplativa do mar, com um vasto céu azul e colinas no fundo distante. Nada acontece durante vários minutos, exceto pelo som de ondas quebrando. Então, do lado esquerdo da tela, um pequeno barco quebra a monotonia da cena, e voltamos ao jovem que dá as costas à bagunça do quarto. Depois de nos levar a uma vista aérea de uma piscina pública de Hong Kong no fim do dia, Law retorna a uma de suas tomadas favoritas, uma imagem noturna a partir de um carro em movimento. Logo, as três cenas – o lago, a vista aérea da piscina e a imagem a partir do carro – são combinadas.

Quando se assiste à íntegra de Matching Four with Twelve, com quarenta minutos, é fácil se viciar no trabalho em vídeo ao estilo diário de Law. Na superfície, a série pode ser vista como um diário de viagem da vida de Law em Hong Kong e no Japão. Mas a obra submerge o espectador nos detalhes rotineiros da vida de Law – andar por vilas em meio à neve, imagens do trem-bala, dirigir pela cidade – que, como psicoterapia, mergulham no que ele chama de “exploração das emoções e da expressão não verbal, como correr e fugir”.

Os primeiros trabalhos de Law, tais como Bathroom Fantasy, que explora o “desejo indescritível” do artista, e I think therefore I am confused (1997-98), que ele mesmo descreveu como um videodiário, dão a sensação de terem ficado sem solução. Embora continue lidando com o desejo, Matching Four with Twelve faz uma autoavaliação mais profunda. Como Law escreveu na época, “a arte ‘ainda’ tem a ver com o coração humano”. Os quatro capítulos de Matching Four with Twelve registram a exploração emocional de um homem gay em uma sociedade extremamente conservadora.

Ao refletir sobre o período no qual realizou a série Matching, Law explica: “Depois de perceber como usei o Japão como uma metodologia para fazer arte (ou simplesmente para entender a vida) durante a minha estada no Iamas, adotei, de forma mais consciente, minha vida cotidiana como uma metodologia”. Embora a obra não trate exatamente de suas experiências pessoais, ele explicou que estava “selecionando e ampliando algumas características de quatro de meus amigos/atores gays para expressar meu sentimento (desejo, medo e raiva) com relação às questões gays”. 

Depois de concluir seu mestrado no Iamas em 2006, Law voltou a Hong Kong e começou a lecionar na Escola de Arte de Hong Kong. Naquele mesmo ano, ele fez dois vídeos, History as a Mirror e Field of Consciousness, mas não realizou novas obras desde então. Ele atribui isso a um novo interesse na cultura do Leste Asiático, e à necessidade de tempo para pesquisar. “Está na hora de aprender mais sobre aquilo que está perto de mim.”

Quando questionado sobre se sua prática mudou desde Matching Four with Twelve, Law respondeu: “Eu quero fazer algo mais parecido com um videoensaio, combinando elementos abstratos, entrevistas, cenas interpretadas, animação. Algo mais próximo da minha experiência cotidiana, e não só abstraído da minha experiência cotidiana.”