VIDEOBRASIL 40 | 12º Videobrasil

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postado em 25/05/2023

Expansão da mostra no tempo e no espaço marca edição com grande foco na performance

   

Com 15 anos de existência, consolidado como principal evento de vídeo e arte eletrônica da América Latina e celebrando quatro edições em parceria com o Sesc-SP, o Videobrasil teve como marco de sua 12º edição a expansão no tempo e no espaço. Realizado pela primeira vez em três locais e com duração de um mês, não mais uma semana, o 12º Videobrasil Festival Internacional de Arte Eletrônica dá mais alguns passos rumo ao formato de bienal de artes visuais, o que se consolidaria na década seguinte. Com foco em produções experimentais de jovens artistas e coletivos – especialmente do Sul Global –, conectado ao universo do CD-ROM e da internet e ampliando o espaço para a performance, a edição ocorreu entre os dias 22 de setembro e 25 de outubro de 1998 nas unidades do Sesc Pompeia, Sesc Ipiranga e Sesc Vila Mariana.

 

 

Performances estavam longe de ser novidade no festival. Muito pelo contrário, eram marca de toda a sua história desde as primeiras edições – com as videocriaturas de Otávio Donasci, por exemplo, que mesclavam vídeo e teatro. Sobre essa trajetória, o pesquisador e curador Eduardo de Jesus escreveu, anos mais tarde: “No Videobrasil, torna-se claro, a performance opera em uma ampliação dos escopos de construção poética. Nesse campo, aglutinam-se experimentações com a imagem em movimento e, paradoxalmente, alargam-se fronteiras entre manifestações artísticas. Esse alargar das fronteiras é, decerto, traço típico tanto da performance quanto do vídeo”.

Mas se estavam presentes desde 1983, é notável na 12ª edição o número recorde de apresentações do tipo, nove ao todo. Entre elas, Bestiário Masculino-Feminino, de Carlos Nader e Waly Salomão (poeta que será homenageado na 22ª Bienal Sesc_Videobrasil) foi das que mais chamou atenção. Após passar por um espaço silencioso, baseado na instalação CineSegredo, de Nader, os visitantes recebiam máscaras e adentravam uma enorme caixa preta, onde se deparavam com uma espécie de “happening orgiástico”. Enquanto uma banda (formada por músicos como Siba, Eduardo BiD, Davi Moraes e Edgar Scandurra) se apresentava, Waly circulava em meio a galinhas e dezenas de monitores declamando poesias, vestido com um macacão prateado e um capacete. Sobre a obra, o poeta afirmava: “É perto da loucura que se rompem as barreiras da comunicação... Mascarado é que se vai adiante... já não me habita mais nenhuma utopia/ animal em extinção/ quero praticar poesia/ a menos culpada de todas as ocupações”.

Em uma edição com grande espaço para pesquisas musicais e arte sonora, o coletivo Chelpa Ferro fez sua estreia com O gabinete de Chico, trabalho que combinava projeção de imagens eletrônicas editadas ao vivo e performance musical envolvendo instrumentos convencionais e objetos ruidosos, como espremedores de laranja e amoladores de faca. Formado por Luiz Zerbini, Barrão, Chico Neves e Sergio Meckler, o coletivo se consagraria nos anos 2000 com participações nas bienais de Veneza, Havana e São Paulo. Também tendo a música como destaque e dando sequência à célebre parceria com Paulo dos Santos, do grupo UAKTI, o mineiro Eder Santos apresenta Pincélulas. Com projeções, pinturas, declamações de poemas e músicos circulando pelo espaço, a performance tematizava os diferentes momentos do desenvolvimento humano, desde as células embrionárias até a velhice.

O duo brasileiro Tetine, formado por Bruno Verner e Eliete Mejorado, apresentou duas performances: Eletrobrecht, uma narrativa visual, verbal e musical baseada na obra de Bertolt Brecht (1898-1956), homenageava o dramaturgo e poeta alemão no ano de seu centenário; Música de Amor, por sua vez, se utilizava de recursos semelhantes para explorar a passionalidade e sentimentos como sensualidade, ódio e inveja. Entre os estrangeiros, a dupla francesa Lefdup & Lefdup ganhou destaque com Home of the Page, uma superprodução performada dentro e fora do palco do Sesc Pompeia, com músicos, dançarinos, animações e recursos da internet – cada vez mais estabelecida no mundo globalizado do fim dos anos 1990. Já o coletivo inglês Antirom apresentou suas pesquisas interativas em The Antirom Performance, trazendo o clima dos clubes noturnos britânicos e incluindo o CD-ROM como elemento de criação. O renomado artista norte-americano Michael Smith, por sua vez, expôs em A Night with Mike sua performance de ares trágicos e ao mesmo tempo patéticos, na qual Mike “acredita em tudo e nada entende”. Misturando atuação e vídeo, Smith utilizava seu personagem – espécie de alter ego – para tratar de fatos do cotidiano e da busca, sem êxito, pelo sucesso.

 

Deposito Dell'Arte

Veterano da videoarte italiana, Fabrizio Plessi foi possivelmente o nome de maior destaque no festival – o que se nota nas incontáveis matérias publicadas na imprensa da época. Isso se deu não apenas pela importância do artista, mas também pala dimensão de sua instalação Deposito Dell'Arte, que ocupou toda a área expositiva do Sesc Pompeia. Em grandes caixas – ou contêineres – que criavam a visualidade de uma espécie de cidade, Plessi reuniu 12 obras realizadas por ele em diferentes momentos de sua vida, várias delas adaptadas ao contexto brasileiro sob curadoria de Rosely Nakagawa. “12 viagens, 12 locais, 12 ideias, 12 etnias e uma só arte, contaminada de tecnologia, mas também de expressão, cultura e materiais locais”, afirmava o artista.

Na Folha de S.Paulo, o italiano também destacava: “Algumas das instalações são espetaculares, outras, teatrais, algumas são poéticas, outras cinematográficas. (...) O público pode andar por elas como uma viagem, uma pequena aventura, com grande liberdade de interpretação. Não é preciso ser um intelectual para compreender minha obra”. O artista esteve atento, também, ao espaço expositivo do Sesc Pompeia: “São Paulo é uma cidade de passagem, rota entre interior e litoral, e o Sesc, uma fábrica, um grande depósito, um depósito de arte”. Para completar a realização, o fotógrafo Cristiano Mascaro foi convidado para registrar, com olhar autoral, a montagem da obra de Plessi, o que resultou em exposição exposta também no festival.

Com a expansão da Mostra Competitiva do Hemisfério Sul para países além de América Latina, África e Oceania, incluindo agora Oriente Médio, Ásia e Leste Europeu – territórios fora do eixo Europa-EUA –, o Videobrasil ressaltava sua visão de Sul Global enquanto conceito fluido, ligado não a uma divisão geográfica entre norte e sul do planeta, mas a uma complexa geopolítica mundial. Entre os 400 inscritos foram selecionadas 70 obras de dez países – entre vídeos e, pela primeira vez, CD-ROMs. Diretora do Videobrasil, Solange Farkas destacava o bom momento da produção audiovisual e eletrônica naquele período, motivado pelo rompimento das barreiras entre formatos: “Com a multiplicação de recursos de linguagem, com esse mix de possibilidades envolvendo vídeo, cinema, animação, CD-ROM e web, os artistas se soltaram mais e desencadearam um movimento extremamente criativo”. Neste universo, o júri decidiu priorizar a escolha de trabalhos não documentais e televisivos, mas obras que fossem “menos um espelho da realidade externa e mais uma atitude face a ela”.

É o caso do primeiro premiado, The Warm Place, do argentino Marcelo Mercado, obra sobre a vida e a morte realizada através de técnicas de colagem, animação e efeitos sonoros, com cores berrantes e ruidosa trilha sonora. Em segundo lugar ficou Carlos Nader, presença forte no Videobrasil desde 1994, que apresentou um “autorretrato negativo” intitulado Carlos Nader, descrito na sinopse como “um vídeo sobre o autor, um vídeo sobre qualquer um e um vídeo sobre ninguém: um ensaio sobre os limites da identidade”. O terceiro premiado foi outro argentino, Iván Marino, que em Sobre a colônia tratava de modo poético da história de um instituto correcional para crianças, falando sobre punitivismo, reeducação e o passar do tempo. Vencedor do Prêmio Aliança Francesa/INA/Ex Machina, dedicado ao campo da realidade virtual, o brasileiro Carlos Eduardo Nogueira foi agraciado, pela animação em 3D Catálise, com uma residência artística na produtora Ex Machina, em Paris. Por fim, Cego Oliveira no sertão do seu olhar, da paulistana Lucila Meirelles, levou o Prêmio Canal 21/Sony. A emissora paulistana que dava nome ao prêmio foi importante apoiadora da 12ª edição e fez uma vasta cobertura do evento.

Vale destacar, ainda, a participação do chileno Guillermo Cifuentes, com seu impactante Night Lessons, sobre a violência política durante a ditadura chilena; Shock in the Ear, do australiano Norie Neumark, que levou Menção Honrosa; os vídeos do libanês Akram Zaatari – entre eles All Is Well on the Border, sobre a ocupação de Israel em seu país; Memory 33, do indonésio Rohmat Buwantoro e do canadense Cameron Ironside, um documentário a respeito do envolvimento americano na Ásia Oriental; e Station 25, da eslovena Ema Kugler, baseado em sua performance realizada em Liubliana. Apesar da variedade, parte significativa dos trabalhos tratava de conflitos, autoritarismo e reparação histórica, refletindo um mundo que se aproximava da virada do milênio repleto de tensões geopolíticas – como a Guerra do Kosovo – e desigualdades sociais.

 

Curadores convidados

Chamadas em outras edições de “mostras informativas” e geralmente voltadas para a produção de algum país, as mostras paralelas do 12º Videobrasil tiveram um perfil diferente, seja com programações dedicadas a artistas específicos ou com outros recortes diversos pensados por curadores convidados. Um desses artistas foi o inglês David Larcher, que esteve no Brasil para participar do júri e acompanhar a programação dedicada à sua obra. Entre os vídeos exibidos estava Ich Tank, de 1983, uma espécie de poema visual com referências à psicanalise que ganhou versão especial para o festival. Dois alemães também tiveram destaque com a curadoria de mostras paralelas: Herman Nöring, diretor do European Media Art Festival, reuniu obras de oito importantes realizadores europeus de arte multimídia, enquanto Nils Röller selecionou onze trabalhos produzidos no centro de arte audiovisual alemão Academy of Media Arts, um dos mais importantes da Europa.

Presentes no 10º Videobrasil com a marcante instalação The Shape of Pain, a dupla iugoslava Breda Beban e Hrvoje Horvatic chegou ao 12º festival ainda mais aclamada, ganhando uma mostra inteira voltada à sua obra. Com linguagem bastante singular – híbrido de vídeo, cinema, performance e produções plásticas –, a dupla havia se radicado em Londres por conta da Guerra da Bósnia, fato traumático que surgiria, de diferentes modos, em várias de suas obras. Temas ligados ao pertencimento marcaram também a mostra The Race is On: Media and Ethnicity, com curadoria de Steve Seid, do Pacific Film Archive de Berkeley (Califórnia). Os três vídeos exibidos tematizam a imigração e a identidade étnica nos EUA, relacionadas ao olhar da mídia de massa sobre essas questões. 

Outra mostra que chamou atenção do público do festival foi a do cineasta turco Kutlug Ataman, mais uma presença que ajudou a intensificar a relação do Videobrasil com o Oriente Médio. Tratava-se, na verdade, da exibição de uma única obra, Kutlug Ataman’s Semiha B. Unplugged, um filme de quase oito horas dividido em nove partes. Nele, a cantora de ópera Semiha Berskoy, aos 84 anos, dá um surpreendente depoimento sobre sua vida e seus casos amorosos, tendo como pano de fundo a história da arte e da política turca, numa mistura de realidade e imaginação. Por fim, o inglês Michael Mazière, do London Electronic Arts, esteve pela terceira edição seguida no Videobrasil, desta vez fazendo a curadoria de The Architecture of Memory, que propunha discussões objetivas e subjetivas sobre arquitetura, espaço e o homem que o utiliza.

Como já era tradição, o Videojornal fez o registro diário do festival – exibido no próprio festival e no Canal 21 –, dessa vez com realização do coletivo Zebra e Burritos do Brasil e direção de Alex Gabassi. A maior novidade foi a utilização do material coletado por meio do Box 21: uma cabine automática com uma câmera instalada, onde o público podia manifestar opiniões, sensações e reflexões sobre o evento. O 12º festival teve, ainda, um website informativo e, pela primeira vez, ganhou um CD-ROM criado por Gisela Domschke e Fabio Itapura a partir da programação. O desenvolvimento tecnológico caminhava a passos largos e o Videobrasil seguia como grande plataforma de exibição e desenvolvimento das linguagens resultantes deste processo. Nas palavras de Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, em texto para o catálogo: “Exemplo típico de sintonia com a contemporaneidade, o Videobrasil congrega traços positivos de agilidade, pluralidade, ruptura, pesquisa, experimentação e tudo o mais que caracteriza o fato cultural vivo, liberado de réplicas, reiterações e gestos cristalizados”.

 

Por Marcos Grinspum Ferraz

*a nomenclatura utilizada para intitular a principal mostra organizada pelo Videobrasil, hoje chamada Bienal Sesc_Videobrasil, passou por adequações ao longo dos anos. As mudanças se deram a partir da percepção dos organizadores sobre as características de cada edição, especialmente no que se refere ao seu formato; duração; periodicidade; parcerias com outras empresas e instituições; e à expansão das linguagens artísticas apresentadas. Os principais reajustes no título das mostras foram: inserção do nome da empresa parceira Fotoptica entre a 2ª (1984) e a 8ª (1990) edições; a inclusão da palavra “internacional” entre a 8ª e a 17ª (2011) edições, a partir do momento em que o evento passa a receber de modo intensivo artistas e obras estrangeiros; o uso do termo “arte eletrônica” entre a 10ª (1994) e a 16ª (2007) edições, quando se percebe que a referência apenas ao vídeo não dava conta dos trabalhos apresentados; a inclusão do nome do Sesc, principal parceiro da mostra nas últimas três décadas, a partir da 16ª edição; e a substituição de “arte eletrônica” por “arte contemporânea” entre a 17ª edição e a 21ª (2019) edições, a partir do momento em que o foco se expande para as mais variadas linguagens artísticas. A mais recente mudança significativa se deu em 2019, na 21ª edição, quando o nome festival é substituído por bienal, termo mais adequado a um evento que já vinha sendo realizado bianualmente e com uma duração expositiva de meses, não mais semanas.

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Imagens:
Acervo Histórico Videobrasil 
Isabella Matheus/Acervo Histórico Videobrasil

1. Cartaz do décimo segundo Videobrasil, por André Poppovic/OZ.

Galeria 1
1. “Bestiário Masculino-Feminino”, de Carlos Nader e Waly Salomão.
2. “Bestiário Masculino-Feminino”, de Carlos Nader e Waly Salomão.
3. “Bestiário Masculino-Feminino”, de Carlos Nader e Waly Salomão.
4. “Deposito Dell’Arte”, de Fabrizio Plessi.
5. “Deposito Dell’Arte”, de Fabrizio Plessi.
6. “Deposito Dell’Arte”, de Fabrizio Plessi.
7. Waly Salomão e Carlos Nader.
8. “O gabinete de Chico”, do coletivo Chelpa Ferro.
9. “Ich Tank”, David Larcher.
10. “Pincélulas”, de Eder Santos e Paulo dos Santos.

Galeria 2
1. Solange Farkas e Danilo Santos de Miranda.
2. “The Warm Place”, de Marcelo Mercado.
3. Jérôme Lefdup e banda. 
4. Marcelo Mercado na premiação.
5. “Cego Oliveira no sertão do seu olhar”, de Lucila Meirelles.
6. “Catálise”, de Carlos Eduardo Nogueira.
7. “The Antirom Performance”.
8. “Memory 33”, de Rohmat Buwantoro e Cameron Ironside.
9. “Night Lessons”, de Guillermo Cifuentes.
10. Público no Sesc Vila Mariana.
 
Galeria 3
1. “Carlos Nader”, de Carlos Nader.
2. Artistas do festival no Sesc Pompeia.
3. “All Is Well on the Border”, de Akram Zaatari.
4. Videoteca no Sesc Pompeia.
5. “Shock in the Ear”, de Norie Neumark.
6. Carlos Nader na premiação.
7. “Sobre a colônia”, de Iván Marino.
8. “A Night with Mike”, de Michael Smith.
9. Solange Farkas e Rosely Nakagawa.