Vista da 21 Bienal Sesc_Videobrasil no Sesc 24 de Maio. Crédito: ​​© Everton Ballardin e Acervo Videobrasil.
 
 

Intitulada "A memória é uma ilha de edição" – frase retirada de poema de Waly Salomão (1943-2003) –, a Bienal Sesc_Videobrasil chega a sua 22ª edição em 2023, realizada após um adiamento de quase dois anos por conta da pandemia de Covid-19. Com curadoria do brasileiro Raphael Fonseca e da queniana Renée Akitelek Mboya, a Bienal marca também os 40 anos do Videobrasil, dedicado inicialmente ao vídeo e que ao longo das décadas se expandiu para abarcar as mais variadas linguagens artísticas. 

Nesta celebração, "faz-se necessário, portanto, não apenas refletir sobre o tempo e as muitas concepções de memória, mas também revisitar a importância do vídeo nessas quatro décadas", escrevem os curadores. Cabe lembrar, ainda, que na contemporaneidade as possibilidades de edição de imagens se transformaram, tornando-se mais ágeis e ao alcance de nossos dedos em uma série de dispositivos tecnológicos de uso cotidiano.

Para muito além dessas "ilhas de edição" particulares, a 22ª Bienal busca selecionar trabalhos que tratem das memórias coletivas, das lembranças e esquecimentos que constroem narrativas históricas e sociais, relativas a povos, nações e regiões geográficas. "Quais as fronteiras éticas de um corte? Quem detém o poder de fazê-lo? Como forjar a memória daquilo que não vimos ou sentimos em nossos corpos? Quais os limites da memória?", questionam os curadores.

A Bienal acontecerà em outubro 2023 no Sesc 24 de Maio, em São Paulo.

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CURADORES CONVIDADOS

Raphael Fonseca, Rio de Janeiro, 1988

Pesquisador nas áreas de história da arte, crítica, curadoria e educação. Tem interesse especial pelas relações entre arte, cultura visual e história em suas diversas concepções. A justaposição de diferentes temporalidades e a forma como isso pode suscitar reflexões contemporâneas para o público é de grande importância em sua prática. Humor, absurdo, cultura pop e a compreensão de que uma exposição se relaciona com as ideias de instalação, cenografia e espetáculo tem crescido dentre seus interesses de pesquisa. É o primeiro curador de arte latino-americana moderna e contemporânea no Denver Art Museum, nos Estados Unidos. Trabalhou como curador do MAC Niterói entre 2017 e 2020. Doutor em Crítica e História da Arte pela UERJ, recebeu o Prêmio Marcantonio Vilaça de curadoria (2015). Entre suas exposições recentes estão Who tells a tale adds a tail (Denver Art Museum, 2022), Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil (Sesc 24 de Maio, 2022), The silence of tired tongues (Framer Framed, Amsterdã, Holanda, 2022), Sweat (Haus der Kunst, Munique, Alemanha, 2021-2022), Vaivém (Centro Cultural Banco do Brasil – São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, 2019-2020), Lost and found (ICA Singapore, 2019), Sonia Gomes – a vida renasce, sempre (MAC Niterói, 2018) e The sun teaches us that history is not everything (Osage Art Foundation, Hong Kong, 2018).

 

 

Renée Akitelek Mboya, Nairóbi, 1986

É escritora, curadora e cineasta. Seu trabalho se baseia na biografia e na contação de histórias como forma de pesquisa e produção. Renée está atualmente preocupada em olhar e falar sobre imagens e as formas como elas são produzidas, mas especialmente como elas passaram a desempenhar um papel crítico como evidência da paranoia branca e como expressões estéticas da violência racial. Frente a isso, Renée busca entender melhor as maneiras pelas quais tais imagens são usadas para reforçar a narrativa institucionalizada do corpo racializado como um constante perigo à lei. Entre seus projetos mais recentes estão Sweet Like Honey (Northern Corner Gallery, Musanze, 2022) e A Glossary of Words My Mother Never Taught Me (Cell Project Space, Londres, 2021). Renée trabalha entre Kigali e Nairóbi e é editora colaborativa do Wali Chafu Collective.

 

 
 

PARTIDO CURATORIAL – “A MEMÓRIA É UMA ILHA DE EDIÇÃO” 

“A memória é uma ilha de edição – um qualquer / passante diz, em um estilo nonchalant, / e imediatamente apaga a tecla e também / o sentido do que queria dizer” – com esses versos, Waly Salomão (1943-2003) abre o seu poema “Carta aberta a John Ashbery”, parte de seu livro “Algaravias: Câmara de ecos”, finalizado em 1995.

Waly Salomão é um nome incontornável da história da cultura no Brasil; extremamente ativo desde a década de 1960, seu nome pode ser associado a muitas narrativas relacionadas com a literatura, música, artes visuais, audiovisual, performance e teatro. Conhecido pela sua forma expansiva, verborrágica e descontraída de ver e interagir com o mundo, Salomão experimentou especialmente no que diz respeito às muitas formas de escrever, proclamar e espacializar a palavra, os versos e as prosas. Assim como diversos artistas de sua geração, ele pôde acompanhar tanto os movimentos de contracultura no Brasil durante o período da ditadura militar quanto os novos sopros democráticos e a esperança em torno de um novo projeto de país no começo do século XXI.

Essa icônica frase de Waly Salomão vai ao encontro do tom de celebração desta edição de 2023 do Videobrasil: trata-se dos 40 anos do evento. Faz-se necessário, portanto, não apenas refletir sobre o tempo e as muitas concepções de memória, mas também revisitar a importância do vídeo nestas quatro décadas. Se em 1983 o vídeo era associado majoritariamente ao poder concentrado da televisão, atualmente, seguindo a lógica do poeta, tendemos a editar nossas próprias memórias de forma rápida pelo toque da ponta dos nossos dedos.

Leiamos com atenção a sua frase: como se dá a equação entre lembrança e esquecimento? O que cortaríamos e inseriríamos em nossas memórias particulares? Quais dos angustiantes acontecimentos que nos afetaram coletivamente desde a última edição do evento, em 2019, são merecedores de uma análise minuciosa tal qual o trabalho em uma ilha de edição? Quais as fronteiras éticas de um corte? Quem detém o poder de fazê-lo? Como uma sequência de imagens pode revisitar as narrativas que dizem respeito a uma família, nação ou região geográfica? Como forjar a memória daquilo que não vimos ou sentimos em nosso corpo? Quais os limites da memória? 

É a partir da presença coletiva – e certamente não linear – das pesquisas dos artistas que a 22ª Bienal Sesc_Videobrasil acontece. Se certa nostalgia e exercício de memória se fazem necessários devido à efeméride de suas quatro décadas, é do interesse da Bienal que, assim como em todas as suas edições anteriores, nossos olhos estejam extremamente atentos a artistas e proposições que nos ensinam novas maneiras de pensar o mundo.

Alguns artistas certamente são mais favoráveis a um apego ao material bruto da memória e recusam qualquer tipo de corte; outras pessoas serão favoráveis aos lampejos e à política do “menos é mais”. Independentemente de seus interesses existenciais e artísticos, queremos – junto com o público – aprender sobre suas práticas e maneiras de manipularem suas ilhas de edição.

Raphael Fonseca e Renée Akitelek Mboya

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SESC 24 DE MAIO

Sesc 24 de Maio, Rua 24 de Maio 109, Centro, São Paulo. Crédito: ​​© Nelson Kon.
 
 

Inaugurado em 2017, o Sesc 24 de Maio é localizado em uma região nevrálgica do centro de São Paulo, na esquina da Rua 24 de Maio com a Rua Dom José de Barros, perto do Vale do Anhangabaú e do Teatro Municipal, da Praça da República e de edifícios icônicos da cidade, como Esther, Itália e Copan. O projeto de adaptacão, realizado por Paulo Mendes da Rocha junto ao Estúdio MMBB Arquitetos, abraça 27 mil metros quadrados de área coberta, e contribui na recuperação dessa área notável da cidade.