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A MEMÓRIA É UMA ILHA DE EDIÇÃO

“A memória é uma ilha de edição – um qualquer / passante diz, em um estilo nonchalant, / e imediatamente apaga a tecla e também / o sentido do que queria dizer” – com esses versos, Waly Salomão (1943-2003) abre o seu poema “Carta aberta a John Ashbery”, parte de seu livro “Algaravias: Câmara de ecos”, finalizado em 1995.

Waly Salomão é um nome incontornável da história da cultura no Brasil; extremamente ativo desde a década de 1960, seu nome pode ser associado a muitas narrativas relacionadas com a literatura, música, artes visuais, audiovisual, performance e teatro. Conhecido pela sua forma expansiva, verborrágica e descontraída de ver e interagir com o mundo, Salomão experimentou especialmente no que diz respeito às muitas formas de escrever, proclamar e espacializar a palavra, os versos e as prosas. Assim como diversos artistas de sua geração, ele pôde acompanhar tanto os movimentos de contracultura no Brasil durante o período da ditadura militar quanto os novos sopros democráticos e a esperança em torno de um novo projeto de país no começo do século XXI.

Essa icônica frase de Waly Salomão vai ao encontro do tom de celebração desta edição de 2023 do Videobrasil: trata-se dos 40 anos do evento. Faz-se necessário, portanto, não apenas refletir sobre o tempo e as muitas concepções de memória, mas também revisitar a importância do vídeo nestas quatro décadas. Se em 1983 o vídeo era associado majoritariamente ao poder concentrado da televisão, atualmente, seguindo a lógica do poeta, tendemos a editar nossas próprias memórias de forma rápida pelo toque da ponta dos nossos dedos.

Leiamos com atenção a sua frase: como se dá a equação entre lembrança e esquecimento? O que cortaríamos e inseriríamos em nossas memórias particulares? Quais dos angustiantes acontecimentos que nos afetaram coletivamente desde a última edição do evento, em 2019, são merecedores de uma análise minuciosa tal qual o trabalho em uma ilha de edição? Quais as fronteiras éticas de um corte? Quem detém o poder de fazê-lo? Como uma sequência de imagens pode revisitar as narrativas que dizem respeito a uma família, nação ou região geográfica? Como forjar a memória daquilo que não vimos ou sentimos em nosso corpo? Quais os limites da memória?

Fica o convite, portanto, para as inscrições de artistas cujas trajetórias e trabalhos individuais possam de alguma maneira ecoar e tornar ainda mais complexas as relações entre edição e memória. É a partir da presença coletiva – e certamente não linear – de suas pesquisas que a 22ª Bienal Sesc_Videobrasil acontecerá. Se certa nostalgia e exercício de memória se fazem necessários devido à efeméride de suas quatro décadas, é do interesse da Bienal que, assim como em todas as suas edições anteriores, nossos olhos estejam extremamente atentos a artistas e proposições que nos ensinem novas maneiras de pensar o mundo.

Alguns artistas certamente são mais favoráveis a um apego ao material bruto da memória e recusam qualquer tipo de corte; ao passo que outras pessoas serão favoráveis aos lampejos e à política do “menos é mais”. Independentemente de seus interesses existenciais e artísticos, queremos – junto com o público – aprender sobre suas práticas e maneiras de manipularem suas ilhas de edição.



Raphael Fonseca e Renée Akitelek Mboya
PRÊMIOS