Ensaio Daniela Castro, 2011
my Apology sequence [air metric]
eu estava ouvindo essa música1 e lembrei de vc na chuva2, com o tempo dilatado artificialmente dando um ritmo pro teu corpo, pra chuva, pro erotismo, pro design e pra informação daquele objeto, pra máquina, pro movimento trocando de papel com o soldado3, mostrando a paisagem tonta e completamente des-reconhecida, paisagem de guerra vermelha clara, paisagem de interceptor V8 vermelha escura e preta – tudo super plano – religiosa e radicalmente indo em direção à chuva4.
...falo de uma questão de métrica, de medidas (de tempo, de valores) e de incertezas trazidas pela metáfora do peregrino e do turista5. o primeiro vive a duração do percurso tão intensamente quanto a chegada ao destino; o tempo é distendido, mas não necessariamente uniforme, apesar do uniforme. para o segundo, a dilatação do tempo é um problema a ser resolvido com as milhas extras do cartão de crédito.
mas quero sair do duplo e muito mais da trindade, que talvez a presente metáfora assim a empreste6: o que me alegra é teu giro7, teu contínuo8, o foco no equilíbrio9 que é um exercício de esvaziamento da mente a partir de um único gesto slo-mo simples, mas que ao mesmo tempo revela e economiza tudo que há de excessivo no programa tecnológico do mundo10 (do vídeo e da guerra – o fato de que ele nasceu de uma necessidade e conveniência bélicas –, da história da arte "white cube and otherwise", das políticas de identidade que revolucionaram a cultura ao mesmo tempo em que o Vale do Silício revolucionava o mercado e a cultura, do mercado de arte sensacionalista que se vale das políticas de identidade para leiloar um vídeo a $90 mil dólares na Sotheby's; não sei o valor exato, my apology nº 2).
...because we like it on the sly, until it hurts, eu não consigo ver tua arte comunicando políticas (de identidade australianas, o mundano da rua do skate trazido de fora para o dentro da estética da arte contemporânea...); não consigo ver tua arte informando valores anti ou contra algo. mas vejo – oxalá – na tua arte, porque ela suspende o ritmo do turista, mesmo que por 23 minutos silenciosos ou 16 minutos em estéreo, em dois canais, ou seis, que o mundo é uma grande fazenda com problema de escoamento da merda dos bichos, merda tóxica e radioativa. que não importa se é Bondi ou Itamambuca (Shaun, sou brasileira. a minha história da arte é tão minha e tão estrangeira a mim quanto a tua te é familiar e estrangeira a ti, tenho certeza...my apology nº 3 por essa aposta).
tudo isso vem daquele papo de ser colônia, o pós-colonial que se esquece de perguntar ou encarar – por conveniência, covardia ou o que seja – qual seria de fato a diferença entre o fardo egocêntrico de ser o 'eu' contra o buraco negro que é ser o 'outro'11; nunca é horizontal). o peregrino faz o trajeto Bondi-Itamambuca a pé, esse é teu slo-mo. esse é teu tempo. numa estação de metrô, no risco que acarretaria parar tudo, esvaziar a mente para não perder o equilíbrio, perder o foco, se estatelar no chão, quebrar o pescoço, é o peregrino que cai primeiro, mas é o primeiro que se levanta também.
my apologies nº 4 e 5 são pela fragmentação deste texto. inacabado, todo interrompido por subtextos (com imagens subliminares), notas de rodapé, backs and forths, pausas para reflexão. vc revela, mas ao mesmo tempo freia o cotidiano do turista e nos faz lembrar que é possível le voyage do peregrino. tá tudo aí. a gente da geração dos 1970 é tudo isso, alas (maybe... apology nº 6)12.
bjs
1 - Sort of wonder why no one said a word
Don't you like it on the sly?
Don't you like it till it hurts?
Have I been on your mind? What's a voice without a song?
Something in your head you've been fighting all along…
(trecho) Metric, Raw Sugar, do álbum Grow Up and Blow Away (2005).
2 - Storm Sequence, vídeo single channel, 2000.
3 - Double Field/Viewfinder [Tarin Kwot], vídeo sincronizado em dois canais, 2009-10.
4 - Interceptor Surf Sequence, HD single channel, 2009.
5 - Zygmunt Bauman, "From Pilgrim to Tourist – Or a Short History of Identity". In: Question of Cultural Identity, ed. Stuart Hall e Paul de Gay. Thousand Oaks: Sage Publications, 1996.
6 - não é uma questão de religião, óbvio, mesmo que a palavra figure fora da metáfora lá no primeiro parágrafo. é uma questão de métrica do tempo e de outras conexões detonadas pelo trabalho do artista (religare, etc.) que, suspeito, a crítica não aplica, viciada como é no transe que confunde o conhecer com o informar (nem toda crítica, mas a maioria, my apology nº 1). no entanto, os "guetos urbanos", como se convencionou classificar a galera do skate, do hip hop, da bike, entre outros, compartilham uma experiência de pertencimento e valores comuns tal e qual membros de uma mesma religião. estão todos à sua maneira buscando um lugar que funcione como uma usina produtora de sentidos pra isso que a gente chama de vida.
7 - Pataphysical Man, vídeo single channel, 2005; Double Field/Viewfinder [Tarin Kwot], canal duplo sincronizado, 2009-10; Woolloomooloo Night, vídeo single channel, 2004…
8 - War Memorial Sessions, HD canal triplo, 2005; Pacific Undertow Sequence (Bondi), vídeo single channel, 2010.
9 - In a Station of the Metro, vídeo em dois canais, 2006.
10 - Air, Surfing on a Rocket, do álbum Talkie Walkie, 2004.
11 - um beijo pro meu querido Jørgen Michaelsen (Pourquoi Malady, ed. par(ent)esis, Florianópolis, a ser publicado).
12 - Apologies 1-6, HD vídeo, 2007-09.