Ensaio Kiki Mazzucchelli, 2009

Alexandre da Cunha / BMX

I believe in myself, I believe in myself(Acredito em mim mesmo/a). A frase, monótona e hipnoticamente repetida, acompanha o vídeo em loop que mostra um jovem atlético executando uma sequência de manobras elaboradas com destreza numa demonstração de exibicionismo masculino em meio a uma paisagem urbana. BMX caracteriza-se por uma certa crueza e imediatismo formais ou, mais especificamente, por uma despreocupação com a execução técnica. A edição e a manipulação das imagens são mantidas a um grau mínimo, e a luz estourada e o enquadramento trêmulo sugerem um vídeo gravado sem premeditação, com uma câmera amadora na mão; é como se o cameraman tivesse se deparado com esse evento ao acaso e decidido captá-lo sem o conhecimento prévio do piloto/performer.

Este vídeo foi produzido em 2002, quando a prática artística de Alexandre da Cunha era muito mais estreitamente ligada à performance. Hoje ele trabalha principalmente com objetos, esculturas e instalações, sendo que é essa sua produção mais conhecida. Sua obra recente é fortemente marcada por uma ideia de construção e tridimensionalidade, bem como pela apropriação de formas e objetos cotidianos. Assim, um olhar que buscasse identificar apenas relações formais entre BMX e trabalhos mais recentes do artista pressuporia uma mudança radical de trajetória. No entanto, não se trata aqui de uma discussão sobre questões exclusivamente formais, e uma análise um pouco mais atenta deste trabalhorevela uma série de preocupações e procedimentos que já estavam presentes no vídeo e que vêm se desdobrando de diferentes maneiras em sua obra ao longo dos últimos anos.

No ensaio “Economias do desejo”*, produzido por ocasião da mostra individual de Da Cunha no Paço das Artes, em 2006, Rodrigo Moura aponta precisamente para esse imediatismo no fazer e para essa falta de preciosismo técnico que já estão presentes em BMX, relacionando essas características a uma estética punk do “faça você mesmo”:

Em termos de economia de meios e processo, penso que há em sua obra também algo do do-it-yourself do punk e de outras culturas underground: uma artesanalidade, um fazer esculturas como quem faz fanzines, mas sempre de olho no repertório erudito internacional. Há um certo desapego, uma escala de mesa, um nunca agenciar meios externos na execução (ou só muito raramente), como se tudo o que pudesse ser feito em termos de empenho físico devesse necessariamente estar ao alcance da mão.

Aqui, além de sublinhar o desinteresse do artista por um virtuosismo técnico e sua preferência pelo uso de matérias-primas prontas e praticamente inalteradas (o readymade), Moura traz ainda um outro dado que é sem dúvida essencial em sua produção: o procedimento da colagem, no sentido da aproximação de objetos, materiais e referências oriundosde registros e categorias tradicionalmente distintos, muitas vezes ocasionando um curto-circuito de hierarquias de valores. Embora Moura aluda a um ethos punk em relação à ideia de colagem, parece-me que, no caso de Da Cunha, o paralelo seja ainda mais próximo do pós-punk. Pensemos no experimentalismo das bandas que emergiram no final da década de 1970 e início da de 1980, como The Fall, Talking Heads e Wire, e sua ousadia na incorporação eclética de ritmos e estilos musicais tão distintos quanto o minimalismo, o funk, o dub e os ritmos africanos, entre muitos outros. Essas são bandas que aprenderam com a desconstrução proposta pelo punk e aplicaram a atitude do-it-yourself na criação desons e imagens (desde as imagens criadas para ilustrar os álbuns até as escolhas de vestuário, maquiagem e cenários), utilizando uma multiplicidade de elementos retirados de diferentes fontes.

De maneira análoga, a obra BMX é também o resultado da colagem de duas matérias-primas encontradas: o áudio de um CD de autoajuda e a gravação em vídeo realizada pelo artista do que poderíamos considerar uma “performance encontrada”, promovendo a sobreposição de dois registros que normalmente não se cruzam. Ao aproximar esses dois elementos, retirados do universo da autoajuda e da cultura de rua, para construir o vídeo, Da Cunharealiza ainda uma outra operação, que consiste em trazer esse produto para o universo da arte, levantando questões relativas a valor, circulação, intencionalidade, entre outras, mas também um certo humor crítico, ou ainda, autocrítico, em relação ao próprio sistema da arte, que vai ficando mais evidente nos trabalhos recentes.

A citação da cultura de rua aparece novamente em Fan Series (2004), série de trabalhos em que constrói esculturas na forma de ventiladores de teto a partir de shapes de skateencontrados, cabos de vassoura e utensílios domésticos de metal. Da Cunha parece reconhecer o potencial formal de certos objetos cotidianos que pertencem a seu vocabulário visual, que são apropriados como elementos utilizados para constituir novas formas, que remetem a objetos existentes, mas que são destituídas de sua função original para se tornarem objetos de arte. Essa associação entre formas e a construção por adição são características fundamentais de sua obra. A impressão é de que o artista tenha se deparado com algum objeto em determinado momento – por exemplo, um shape de skate abandonado na rua ao caminhar para casa – e que, em um outro momento próximo, tenha observado os ventiladores de teto em um restaurante de um país tropical, estabelecendo, intuitivamente, uma relação entre esses dois objetos, que culmina num problema de resolução formal. Evidentemente, o trabalho resultante dessa operação não se resume a uma discussão formal, pois traz consigo todo o significado simbólico de cada um desses objetos e as relações criadas a partir da junção desses significados.

Uma das citações recorrentes na obra de Da Cunha diz respeito a estilos e movimentosartísticos modernos e contemporâneos. Em séries como os Deck Paintings (desde 2004), emque lonas de cadeiras de praia são esticadas em chassis de madeira, formando “pinturas” abstratas que lembram os elegantes trabalhos dos pintores do color field norte-americano, ou Platinum (Column) (2005), em que cria esculturas verticais a partir do empilhamento de utensílios domésticos de metal, evocando a simplicidade e graça das colunas de Brancusi, ele remete diretamente ao universo erudito e sofisticado da arte e, especificamente, a trabalhos que possuem um alto valor simbólico e material. Estas obras valiosassão então refeitas com objetos cotidianos industrializados, trazendo o dado da cultura popular, do objeto mundano e de um certo imediatismo no fazer, para este universo da high art.

Recentemente, Da Cunha tem voltado seu olhar para o legado do modernismo no Brasil. Vivendo e produzindo arte há mais de dez anos em Londres, o artista tem frequentemente que lidar com as expectativas do circuito britânico (e internacional) em relação ao quesignifica ser um artista contemporâneo brasileiro. Com a crescente internacionalização de uma certa vertente da arte contemporânea brasileira que se filia a uma tradição principalmente neoconcreta, em muitos circuitos internacionais espera-se que os jovens artistas brasileiros produzam um tipo de trabalho que incorpore características formais e estilísticas daquela produção. Em seu ensaio para a exposição Laissez-faire, realizada no Camden Arts Centre, em Londres (2009), Jens Hoffmann critica as tentativas de se ler também o trabalho de Da Cunha dentro da chave do neoconcretismo:

Ainda mais preocupante é o fato de que a maioria das referências históricas utilizadas para descrever o trabalho de Da Cunha sejam as mesmas usadas para falar sobre tantos outros artistas brasileiros de sua geração, mesmo que seus trabalhos e estilos sejam tão diferentes. Será que o movimento neoconcreto é realmente o berço da variedade de arte brasileira que vemos hoje, ou será que estamos testemunhando uma forma de melancolia reducionista por tempos passados, fundida com um desejo desesperado e ignorante de se estabelecer um cânone artístico?

Consciente desse desejo, na série Sunset (Flag), 2009, Da Cunha justapõe às típicas fotografias de pôr do sol em cenários paradisíacos – com toda sua beleza cansada e cafona de clichê tropical, e seu vibrante dégradé composto por vermelhos, laranjas e amarelos – as formas duras e geométricas, em áreas sólidas de preto e branco, remetendo aos tradicionais desenhos de bandeiras nacionais. Emoldurados e dispostos ordenadamente nas paredes da galeria ou museu, esses trabalhos passam a remeter também às formas da arte concreta brasileira, aproximando o clichê do exótico associado a países periféricos e tropicais como o Brasil, ao clichê da raiz concretista projetado pela supostamente mais ilustrada e liberal classe artística e intelectual internacional. Trata-se, ainda, de um comentário bem-humorado sobre como práticas artísticas outrora revolucionárias acabaram por ser absorvidas e cooptadas de maneira fetichista por um sistema mercadológico.

A instalação Palazzo (2009), apresentada na mesma exposição, pode ser lida também como um comentário sobre o fetiche internacional em relação ao modernismo brasileiro. Umaenorme parede construída com centenas de esfregões entrelaçados reproduz o que se assemelha a uma seção curva típica da arquitetura de Niemeyer. Aqui a precisão e a durabilidade do concreto são substituídas pela maleabilidade e fragilidade do esfregão, e o procedimento intelectual do projeto arquitetônico transforma-se no procedimento artesanal de juntar, uma a uma, as peças que formam essa construção. Mais uma vez, há a inserção do mundano e do popular no universo exclusivo da arte. Há, ainda, o twist promovido pelotítulo da obra, que lembra os nomes dados aos edifícios de luxo que cada vez mais se espalham pelas metrópoles brasileiras, no que poderia ser visto como mais um comentário ácido sobre como o valor é conferido ao objeto arquitetônico ou artístico.

Maison, Château, Palazzo, todas essas palavras emprestadas de línguas estrangeiras parabatizar os lares das elites nacionais exprimem um desejo por uma suposta sofisticação europeia que se concretiza, por exemplo, no pastiche arquitetônico dos edifícios neoclássicos que pululam na cidade de São Paulo. No que poderia ser considerado o paralelo literário dessas construções de alta classe, ouvimos ecoar a voz que cegamente repete: I believe in myself…

*Rodrigo Moura, “Economias do Desejo”. In Alexandre da Cunha (catálogo). São Paulo: Paço das Artes, 2006, p. 5.

Entrevista Carla Zaccagnini, 2009

1. Nas tuas esculturas, relevos e instalações, objetos comuns adquirem semelhanças com materiais nobres ou delicados e com objetos clássicos ou especiais, por meio de ações simples e aproximações inesperadas, de tal forma que faz pensar que a possibilidade dessa transformação já estava contida no objeto escolhido desde que saiu da fábrica. Mais de uma vez, diante de uma dessas obras, peguei-me fazendo essa pergunta que aproveito para te fazer agora: você sai à procura de objetos específicos que possam assumir características de terracota ou lenços que possam se parecer com bandeiras ou acontece o contrário – um determinado lenço azul e vermelho te leva a pensar num estandarte e ao comprar um objeto para desentupir a banheira você o descobre semelhante à cerâmica?

Acho que as duas situações acontecem o tempo todo no processo de construção dos trabalhos. Coleciono objetos que me intrigam e às vezes eles não viram nenhuma escultura. Outras vezes, a transformação desses objetos cotidianos funciona muito bem e aí começo a procurar outros elementos parecidos e a produzir peças novas. De um modo geral, meu trabalho com escultura parte de um encontro muito pessoal com coisas que estão ao meu redor; não somente com objetos em si, mas com as situações onde estão inseridos. Eles podem variar de coisas muito banais, que sempre estiveram do meu lado, até coisas que encontro em viagens ou em situações e experiências novas para mim. A partir desse processo de coleção e de apropriação, tento trazê-los para o espaço da arte e propor um curto-circuito nesse trajeto entre a banalidade e uma possível sofisticação do objeto. A economia de gestos ou técnicas nessa intervenção sobre o objeto é um aspecto muito importante nesse processo.

2. Ainda com relação à ambiguidade entre características intrínsecas ou projetadas em um objeto ou forma, fiquei pensando sobre uma resposta tua à entrevista de Jens Hoffmann (veja link na seção Mais). Ali você diz que descontextualiza objetos cotidianos para criar obras que muitas vezes imitam esculturas modernistas – de modo que, quando se olha detidamente, essas formas modernistas revelam originar-se de elementos da vida diária. Você acha que a possibilidade dessa operação se deve, também, a uma disseminação de formas e cores derivadas do modernismo, que permeiam os objetos de consumo com que nos deparamos diariamente, e que você usa para construir suas esculturas?

Sim, acho que essa é uma leitura possível. Acho que a melhor forma para alcançar essas referências históricas no meu trabalho é quando elas não estão tão explícitas e não seguem um modelo rígido no processo de trabalho. Não me interesso muito pela citação em si. Acho mais estimulante quando o trabalho aponta para uma referência da história da arte (e neste caso o modernismo é uma constante), mas abraça outras fontes que permeiam outras áreas, como o design ou a arquitetura. Acho que existe mesmo essa disseminação derivada do modernismo, que é reproduzida em massa em objetos do cotidiano. Muitas vezes, quando incorporo um objeto nas minhas esculturas, enfatizo essa relação com o design, com o aspecto utilitário ou decorativo que está presente no objeto original.

Acredito, no entanto, que as referências no trabalho vão além do modernismo e estabelecem outras dinâmicas. Com a série dos potes (Terracotta Ebony), por exemplo, combino formas de desentupidores para fazer objetos que parecem urnas sagradas ou ancestrais, um repertório visual bem diferente. Em obras mais recentes, trabalho com fios de lã misturados a esfregões, estabelecendo um link com as artes aplicadas, a cultura popular e o artesanato.

3. É importante você chamar atenção para a variedade das referências que informam o teu trabalho. Você poderia falar mais sobre essa questão e, talvez, pensá-la com relação à tua formação inicial no Brasil e aos estudos posteriores na Inglaterra?

Acho que essa economia formal presente nos meus trabalhos talvez seja fruto de uma estética assimilada desde a minha formação inicial como artista, que aconteceu no Brasil. Os artistas que me influenciaram e o que era valorizado naquela época como padrão estético formaram uma base muito importante no meu processo artístico. A arte contemporânea na América Latina ainda segue muito essa tradição e uma certa tendência à procura de gestos mínimos, a elegância das formas. Quando fui estudar em Londres, e me distanciei um pouco desse repertório, fiquei mais consciente dessa influência e comecei também a assimilar outras formas de aproximação da arte que não eram tão ligadas a essa busca da beleza, do exercício formal. Acho que foi muito produtivo para o meu processo combinar essas frentes e assimilar mais humor e ironia ao meu trabalho, por exemplo. Comecei também a perceber o humor presente no debate formal de artistas como Brancusi e outros quesão referências muito fortes no meu trabalho.

Acho que essa discussão sobre o modernismo tornou-se uma questão muito recorrente na produção recente da arte contemporânea e tem se falado muito sobre isso atualmente, nem sempre da maneira mais pertinente. Existe hoje uma tendência seguida por uma geração de jovens artistas na Europa que fazem uma constante referência à arquitetura modernista por um viés nostálgico e às vezes excessivamente estetizado. Por outro lado, esse fenômeno inevitavelmente difunde informações importantes sobre outros lugares do mundo, um repertório visual que era menos acessível até então. Acho que é importante reconhecer a presença desses possíveis vícios estéticos a que todos os artistas estão expostos, e lidar com eles. Mas acredito na obra de arte que tem um discurso mais universal, onde a referência não é o fim do caminho, mas sim uma ponte para outras leituras.

4. Para mim, a força de muitos dos teus trabalhos reside exatamente nesse ponto de equilíbrio precário que eles estabelecem, como se estivessem parados no lugar exato que lhes permite ser ambas as coisas ao mesmo tempo: lenço e bandeira, borracha e ébano. Como no clássico jogo óptico em que um cálice é simultaneamente dois perfis, teus objetos e esculturas têm uma existência elástica ou trêmula, ambígua; de uma mutação que não se completa, que não se entrega confortavelmente nem a um nem a outro lado. Isso não é uma pergunta, mas o que você pensa sobre essa leitura?

Eu gosto muito dessa sua ideia de uma mutação que não se completa totalmente. Fico satisfeito quando as pessoas se referem às minhas esculturas pelos objetos de que elas são feitas, e não pelos títulos, por exemplo. Acho estimulante quando essa transformação acontece mais no imaginário do espectador do que no campo estritamente visual.

Como artista, vejo-me como um intermediador, mais do que alguém que tem o domínio de uma determinada técnica ou um discurso específico. Apesar de usar gestos econômicos, existe no trabalho um investimento e uma preocupação com a forma, com a combinação dos elementos, com a superfície, o trabalho com a cor, que só se estabelecem de uma forma consistente depois de muita pesquisa e trabalho de ateliê.

Eu acho que essa ideia de uma existência trêmula está também relacionada com a ideia de fantasia, de disfarce e de um certo ilusionismo. As minhas esculturas referem-se a um repertório clássico de representação escultórica (bustos, esculturas públicas, potes, cerâmica etc.) e são, em princípio, lidas como tal. Quando o material se revela aos olhos do espectador, imediatamente essa ideia se desfaz, e elas passam a ser uma espécie de disfarce de escultura. Nesse momento, ficam vulneráveis e, ao mesmo tempo, tornam-se engraçadas, estranhas e, portanto, relevantes como objeto de arte.

5. Exatamente: um disfarce doméstico. Porque quando nos fantasiamos (e especialmente quando a fantasia é feita em casa), podemos ser um pirata, mas continuamos sendo nós mesmos, e é possível nos reconhecer por trás do tapa-olho, do bigode falso ou pintado. Com relação a BMX, obra que pertence ao acervo do Videobrasil, parece-me que há ali, também, uma ambiguidade, que o vídeo cria uma ponte pênsil entre áreas diferentes da cultura, e que se trata de um momento entre público e privado, algo entre um ensaio e uma exibição. Queria que você contasse um pouco do processo de realização desse vídeo, sobre a justaposição entre a imagem gravada na rua e o áudio retirado de um CD de autoajuda.

Esse processo de colagem, de justaposição de elementos é uma questão recorrente no meu processo de trabalho. Nas esculturas que fiz com os skates (Fan Series), aproximo o universo doméstico (usando panelas e utensílios de cozinha) à cultura jovem de rua. A ideia de criar um curto-circuito entre esses dois campos é sempre uma motivação no trabalho, e gosto muito de colocar os elementos à prova e ver como podem ser lidos por públicos distintos que estão mais ou menos familiarizados com os elementos utilizados no trabalho. Além disso, existe a questão da apropriação que algumas vezes vai além do objetoem si e passa a ser uma apropriação de histórias ou narrativas. Quando mostrei esse vídeo pela primeira vez, muita gente achava que eu era a pessoa em cima da bicicleta ou que a voz em off era minha.

A forma com que incorporo vídeo ou fotografia no meu trabalho é sempre muito direta, com mecanismos de edição e produção muito low tech, e muito parecida com a forma com que faço as esculturas com objetos que encontro. No caso do BMX, já fazia um tempo que eu observava no caminho do meu ateliê esse cara treinando todo dia no mesmo lugar, mais ou menos na mesma hora. Essa ideia de rotina, de uma prática, de repetição e de virtuosismo despertou a minha atenção. A ideia foi estabelecer um paralelo com a minha própria prática como artista, com o trabalho solitário e repetitivo, a busca por ser melhor naquilo que se faz, e a ideia de sucesso e de reconhecimento.

Na edição eu apenas fiz cortes dos momentos onde ele cai e juntei todos os clipes como se ele estivesse sempre passando de um movimento para outro de uma forma muito natural. O áudio do CD de autoajuda entra como um comentário dúbio, é uma afirmação do truque de edição. Essa relação com a ideia de sucesso e fracasso, e a relação com a rotina, aplica-se também a outras práticas e profissões e, de forma geral, ao mundo contemporâneo, que estimula uma procura constante do melhor desempenho e da melhor performance. Acho que o vídeo fala sobre isso e aborda também questões sobre público e privado, como você cita. Interesso-me também pelo aspecto de tornar a ação casual, o treino (um ensaio) no evento final.

Biografia comentada Carla Zaccagnini, 2009

Alexandre da Cunha nasceu no Rio de Janeiro em 1969 e mudou-se para São Paulo em 1991, onde cursou licenciatura em educação artística na Fundação Armando Alvares Penteado entre 1992 e 1996. Em seus anos de estudo na FAAP, teve aulas com Nelson Leirner, cuja obra se relaciona com a de Alexandre tanto pelo uso de materiais domésticos e pela referência à chamada baixa cultura, quanto pelo humor ácido que caracteriza ambas.

Em 1998 mudou-se para Londres, onde mora até hoje, para estudar no Royal College of Art e tornar-se mestre em belas-artes no Chelsea College of Art and Design, em 2000. Não somente o aprofundamento dos estudos na capital inglesa foi definitivo para a formação do olhar e da prática do artista, mas também a mudança do ponto de vista com relação à cultura e à tradição artística de seu país de origem, que a vivência no exterior possibilitou e ainda possibilita.

Segundo o artista, a economia formal presente em seus trabalhos é um traço assimilado em sua formação no Brasil, muito presente na arte latino-americana. Na Entrevista deste Dossier, ele afirma: “Quando fui estudar em Londres, e me distanciei um pouco desse repertório, fiquei mais consciente dessa influência e comecei também a assimilar outrasformas de aproximação da arte que não eram tão ligadas a essa busca da beleza, do exercício formal. Acho que foi muito produtivo para o meu processo combinar essas frentes e assimilar mais humor e ironia ao meu trabalho, por exemplo”.

Entre suas individuais recentes, podemos destacar Laissez-faire, Camden Arts Centre, Londres, 2009; sua mostra no Wattis Institute for Contemporary Arts, São Francisco, 2007; e a que pôde ser vista no Paço das Artes, São Paulo, em 2006; além das realizadas em 2008 nas galerias que representam sua obra (Sommer & Kohl, Berlim; Galeria Luisa Strina, São Paulo; e Vilma Gold, Londres). Entre as coletivas de que participou nos últimos anos, incluem-se: Los Impoliticos, Palazzo delle Arti Napoli, Nápoles, 2010; Revolution of the Ordinary, Morsbroich Museum, Leverkusen, 2009; An Unruly History of the Readymade, La collection Jumex, México, 2008; The View from Here – New Acquisitions, TateModern, Londres, 2006; The Structure of Survival, 50ª Bienal de Veneza, 2003; e Bienalde Liverpool, 2002.

Referências bibliográficas 2009

Galeria Luisa Strina
O site da Galeria Luisa Strina, que representa a obra de Alexandre da Cunha no Brasil, traz imagens de trabalhos recentes e das duas exposições individuais que o artista realizou na galeria (em 2004 e 2008), além de currículo atualizado e uma lista de referências bibliográficas.

Sommer & Kohl
O site da galeria que representa o trabalho de Alexandre da Cunha em Berlim contém imagens e texto referentes à exposição Club Sandwich (Sommer & Kohl, 2008), além de currículo e documentação de outras obras recentes.