Biografia comentada Eduardo de Jesus, 11/2006

Claudia Aravena Abughosh nasceu em Santiago, no Chile, em 1968. Entre 1987 e 1992, estudou design gráfico na Universidade Arcis e comunicação audiovisual no Instituto Arcos. Produzida a partir dos anos 1990, sua obra aborda, com freqüência, questões universais como a identidade, os deslocamentos e a memória, mas sempre dotadas de uma visão particular que parece recortar as imagens para recolocá-las em novos contextos subjetivos. Com isso, estabelece um intenso jogo entre suas experiências, as imagens que produz e as questões políticas e sociais contemporâneas.

Realizou uma série de trabalhos experimentais como Panama (1991), Ante-sala (1990) e Dile al tiempo que vuelva (1992). Posteriormente, a convite do Ministério das Relações Exteriores da França, criou o vídeo Miradas Desviadas (1992). Premiada pela Comissão de Pesquisa do C.I.C.T. (Unesco) e com menção especial do júri na 1ª Bienal de Vídeo e Artes Eletrônicas de Santiago (1992), a obra mostra as novas liberdades do Chile na era pós-Pinochet.

Em 1996, apresenta o vídeo Estación Terminal no Transmediale de Berlim. Dois anos mais tarde, ganha o prêmio do Festival de Videoarte de Locarno (Suíça, 1998) com First Steps, uma espécie de diário de viagem à Bósnia realizado em parceria com Paula Rodríguez. Em 1999, convidada a fazer parte do programa de residência artística do Centro de Arte Podewil, em Berlim, na Alemanha, realiza o vídeo berlin: been there/to be here, que é apresentado no 13º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. No vídeo, retorna ao tema do deslocamento, pelo olhar de uma imigrante e em sua relação com a cidade de Berlim. No mesmo ano realiza That's not a Loop, that's Real Time, videoinstalação que trata também da imigração, mas sob a perspectiva da espera como condição permanente nesse cenário.

Ainda nessa temática, mas de alguma forma ampliando o espectro das questões centrais em sua obra, a artista realiza, em parceria com Guilhermo Cifuentes - seu freqüente colaborador, e autor do Ensaio publicado nesta edição do FF>>Dossier - a videoinstalação lugar común/common place (2001). Nesse trabalho, as questões se centram na linguagem, na distância e nas paisagens urbanas, e são desenvolvidas por meio de um diálogo entre Santiago (Chile) e Berlim (Alemanha), que tem como pano de fundo as questões da memória e da identidade.

Em 2002, realiza 11 de Septiembre, vídeo contundente que associa duas situações extremas: os atentados de 2001 em Nova York e o golpe militar comandado pelo General Pinochet e que derrubou Salvador Allende da presidência chilena em 1973. Dois fatos separados por 28 anos são aproximados pela “fratura da memória do presente e do passado histórico”, como aponta a sinopse do vídeo. O vídeo ganha o prêmio no Festival Internacional de Curtas de Oberhausen (Alemanha), em 2002.

Em 2003, a artista começa a desenvolver o Projeto Palestina, ampla série de trabalhos de vídeo e videoinstalação apresentados na Alemanha e no Chile. Mais uma vez, ela retoma as questões da identidade, agora sob uma visão mais crítica e política, centrada em fronteiras e suas representações, em territórios e deslocamentos. Integram o projeto o vídeo Out of Place (2005), a videoinstalação Greetings from Palestina (2003), que recebeu no mesmo ano o primeiro prêmio no Kasseler DokFest (Kassel, Alemanha), e a videoinstalação Beitjala (2003).

Out of Place é a terceira parte do Projeto Palestina e trata de forma intensa as questões da representação e do território, mas também da memória e da identidade. Mais uma vez Aravena parece colocar suas visões numa tensão entre as experiências pessoais - representadas, neste caso, por memórias familiares -, e as questões políticas e históricas, favorecendo intensamente a ampliação do campo de significações das imagens. Usando os recursos do vídeo para enfatizar percepções, associar conteúdos e ampliar as reflexões sobre suas questões mais centrais, a artista multiplica suas visões em sofisticados jogos de linguagem.

Podemos perceber isso também nas outras obras que compõem o Projeto Palestina, como na videoinstalação Beitjala (2003), nome da cidade da família materna de Aravena. Nesse trabalho, a artista entrevista membros de sua família e lojistas de uma região que concentra comerciantes árabes em Santiago, e onde sua família também tem uma loja. Nas entrevistas, ela investiga o imaginário dos imigrantes, buscando suas memórias. Logo depois, viaja até Beitjala e, seguindo o registro das entrevistas, capta imagens de lugares e memórias mencionadas pelos imigrantes e por seus familiares.

A fase final da obra foi a exibição das imagens captadas em Beitjala nas vitrines da loja da família de Aravena em Santiago, durante três dias, em abril de 2003. Em vez de manequins e tecidos viam-se, nas vitrines da loja de esquina, as imagens da cidade palestina. O território se expandiu e foi reconstruído através dos agenciamentos da memória, criando ali, no meio de Santiago, através de imagens memorialistas, um espaço estrangeiro.