A obra de Ayrson Heráclito (Macaúbas-BA, 1968) deriva da ideia de sagrado expressa na ritualística e na simbologia do Candomblé, religião que pratica há quase trinta anos. A matéria orgânica mobilizada pelos ritos de matriz africana na Bahia alimenta seu trabalho, explorada até o limite da plasticidade e do significado; mas também seu sentido de performance, de transe, do ato mágico em que se conjura, purifica e reorganiza energias, histórias e memórias. Na melhor tradição das religiões afro-brasileiras (e da própria arte), usa tais atributos como forma de resistência: numa contribuição muito particular às práticas ditas descoloniais, recorre ao próprio remédio que os escravizados trouxeram da África para confrontar, sacudir e transmutar poeticamente o legado corpóreo e imaterial duradouro da escravidão.
Cobrindo um arco de tempo que se estende 2004 a 2018, esta seleção reafirma a coesão poética da obra de Heráclito e celebra sua presença marcante no Acervo Videobrasil, um reflexo dos diversos momentos em que o trajeto do artista atravessou nossas atividades. Das primeiras participações no Videobrasil, como As mãos do epô, exercício em torno do azeite do dendê, e Barrueco, alegoria da travessia do Atlântico realizada com Danilo Baratta, estende-se a Funfun, que lhe deu, em 2013, nosso prêmio de residência artística na Raw Material Company, em Dacar. Desse período no Senegal nasce Sacudimentos, que mostrou na 57ª Bienal de Veneza, em 2017, e a série História do futuro, ambas também presentes aqui.