Ao fim dos anos 80, uma geração viu frustradas suas expectativas de quebra dos monopólios de rádio e TV, que acompanharia o processo de distensão política “lenta, gradual e segura” anunciado no final do regime militar no Brasil. No canal 8 da televisão carioca, a pirata 3 Antena transmitiu clandestinamente programas com sequências capturadas da grade regular da televisão aberta e de outros produtos da indústria audiovisual agenciados de forma anárquica, que debochavam da imagem do país feita pelas emissoras que operavam legalmente. Através de um transmissor potente, sua difusão chegou a interromper programas de grandes redes.
Acervo Histórico Videobrasil | Prêmio júri popular do 8˚ Festival Internacional de Vídeo Fotoptica
Produção independente narrada por um guerrilheiro urbano fictício que usa a arte como arma, A revolução não será televisionada mesclava elementos jornalísticos e artísticos para comentar o espaço urbano e suas relações políticas e sociais. Ao longo dos oito episódios do projeto, foram contempladas experimentações visuais de cerca de 50 artistas, transmitidas ao longo de três meses na TV a cabo. O núcleo de produção era composto por André Montenegro, Daniel Lima, Daniela Labra e Fernando Coster e usava a linguagem da televisão para questionar a ideologia hegemônica e o funcionamento da comunicação de massa.
Acervo Histórico Videobrasil (ep. 1) e cortesia Daniel Lima (eps. 6 e 7)
A Frente 3 de Fevereiro é um grupo transdisciplinar de pesquisa e ação direta que aponta e discute o racismo na sociedade brasileira, remetendo à histórica luta e à resistência da cultura afro-brasileira. Em Racismo policial – quem policia a polícia?, o grupo questiona a noção de “atitude suspeita”, justificativa comum para a intimidação e morte de moradores da periferia paulistana por policiais militares. A obra foi realizada por ocasião da exposição Zona de Ação (Sesc Paulista, 2004), que reuniu uma importante geração de coletivos surgidos no começo dos anos 2000, como BijaRi, Cobaia, Contrafilé e GAAC, com trabalhos de forte tom político.
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Amarrados como dinamites, pães foram colocados em pontos diversos ao longo da lagoa de Marapendi, que à época dividia uma área urbana e litorânea de outra menos ocupada, no Rio de Janeiro. As obras / situações / acontecimentos que Barrio desenvolve desde a década de 1960 têm como espaço a cidade, aproximando-se de questões sociais e políticas, para além de sua carga psíquica. São objetos e acontecimentos deflagradores, que desvelam uma dimensão radical e contestatória da realidade. Sua produção contesta as categorias artísticas e transforma as condições de produção, circulação e consumo de arte. Suas matérias-primas são orgânicas e residuais.
Cortesia do artista
Um desfile de banda marcial é encenado de forma irônica por uma pequena tropa, como alegoria histórico-política, em um percurso que leva a mastros desativados em espaços públicos de Porto Alegre. A ação foi captada com uma câmera Super-8, cuja visualidade desafia as noções de presente e passado, questionando a noção de “agora”. A obra de Cristiano Lenhardt confronta os limites da realidade com outras possibilidades de existência, sendo constituída por elementos textuais, visuais e sonoros articulados em vídeos, escritos, desenhos, gravuras, objetos e instalações.
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Após o acirramento da censura estatal em 1968, José Celso Martinez Corrêa vê na gravação das peças do Teatro Oficina uma maneira de transpor a perseguição política. O uso de um aparelho portátil de gravação, no começo dos anos 80, segue o mesmo propósito militante, contra tentativas de silenciamento e intimidação ao grupo. Abra a jaula integra essa estratégia ao registrar a resistência à censura ainda no período de “abertura política”, quando o Oficina tenta a liberação do filme O Rei da Vela (1982), registro da montagem da peça de Oswald de Andrade encenada pelo grupo pela primeira vez em 1967.
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O grupo afro de percussão Ilú Obá De Min é formado por mulheres e suas apresentações mudam a face de espaços públicos de São Paulo, engajando uma população usualmente excluída. Com um único plano, o vídeo registra momentos de uma dessas transformações, ao apresentar pessoas sob um viaduto que, a despeito de sua condição de precariedade, incorporam força e alteridade. Ao som dos tambores, seus corpos criam um lugar de festa e dignidade. Frequentemente produzidos em colaboração, os trabalhos de Kunsch transitam do vídeo e performance a curadorias educativas, sempre buscando um alargamento do chamado “público da arte”.
Acervo Histórico Videobrasil | Prêmio de residência do 20˚ Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil
A apropriação estética e política da ficção científica, a existência de corpos em transformação, a índole da paisagem e a temporalidade da imagem estão entre os temas que mobilizam a obra de Luiz Roque. Em Geometria descritiva, a noção de limiar é trabalhada por meio de uma paisagem idílica que oscila entre o real e o fantasioso, formando uma cosmologia à luz do dia em que coabitam beleza e violência. Com a encenação de uma ruptura e de uma recomposição, a obra discute a ideia de um pleno retorno, situando-se além do passado e do futuro ao sugerir um presente sempre em suspensão. Roque trabalha com filme, vídeo e fotografia.
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A obra reúne 48 lemas e slogans de governos brasileiros dispostos conforme sua incidência histórica. Sobre cada um deles é aplicada uma demão de tinta branca, marcando o tempo passado enquanto aponta para os projetos políticos que se suplantam. Desde o grito de “Independência ou Morte” de 1822 até os lemas contemporâneos, salta a repetição da inscrição “Ordem e progresso”, adaptação do conceito positivista “o Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”, que está presente na bandeira brasileira. Se em 1889 a supressão do amor já parecia anacrônica, a reincidência desse mote em 2017 denota a obsolescência do projeto de país que representa.
Cortesia da artista e Galeria Vermelho
2018, bordado, colagem e costura em tecido, 155 x 185 cm cada
da série Profecias
2018, instalação, letras de tecido e espuma suspensas, dimensões variáveisRandolpho Lamonier
Como planos de vingança ou vaticínios, Randolpho Lamonier produziu para esta exposição um conjunto de obras têxteis que anuncia inquietações e temas de grande urgência de nossos tempos: o déficit de habitação, a violência contra indígenas e seus territórios, a LGBTfobia, a exploração do trabalhador. Com retalhos de pano costurados e bordados com vigor, Lamonier recusa a manufatura industrial para revelar a força poética dos sujeitos imbricados nesses sistemas de opressão. Seu trabalho aborda a relação entre centro e periferia da perspectiva da formação de subjetividades oriundas do desgastado espaço urbano e industrial.
Cortesia do artista
Constituída por cercas, tapumes e postes, presentes no espaço urbano como delimitadores de circulação e acesso, A uma certa distância (barreiras públicas, Istambul) evoca as divisas que separam público e privado. Os elementos constitutivos da obra – alguns deles coletados do espaço urbano – ressaltam a espontaneidade desse tipo de construção, que é por vezes também precária. Como anteparos e barreiras, representam impedimentos de ordem prática e simbólica. Em sua primeira versão, para a Bienal de Istambul, foram incorporados objetos achados na cidade, acentuando a força política da composição. Nesta exposição, a obra se atualiza em sua capacidade de contestação às formas de restrição.
Cortesia da artista; Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel, São Paulo; Tanya Bonakdar Gallery, Nova York; e Stephen Friedman Gallery, Londres
Vera Cruz é um “documentário impossível”, nas palavras de Rosângela Rennó, que registra a chegada dos portugueses ao Brasil. Comissionado para uma exposição com obras baseadas na carta de Pero Vaz de Caminha, o vídeo é composto por trechos do documento e de diálogos náuticos imaginados, oscilando entre documentário e ficção. Cabe ao espectador preencher as lacunas com sua própria versão do evento. Vera Cruz é o primeiro vídeo realizado pela artista, cuja obra é reconhecida por abordar questões acerca da natureza da imagem, seu valor simbólico e seu processo de despersonalização.
Acervo Histórico Videobrasil | Prêmio do 13˚ Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil
Discutindo os clichês que associam o país a sexo, corrupção, futebol, miséria, carnaval, macacos e bananas, What do you think people think Brazil is? investiga e satiriza as imagens e discursos sobre o Brasil circulados pelas mídias de massa e sua influência entre brasileiros e estrangeiros. É possível observar na obra características marcantes da produção de Sandra Kogut no período, como a experimentação com os recursos digitais disponíveis, a importância dada às bordas da imagem e a criação de sentidos para além do idioma falado pelo público. Kogut divide-se entre a televisão, o cinema e as artes visuais.
Acervo Histórico Videobrasil | Prêmio Melhor Videoarte do 8˚ Festival Internacional de Vídeo Fotoptica
Objetos corriqueiros são desviados de sua funcionalidade e surgem na obra de Sara Ramo como se fossem dotados de qualidades excepcionais. Mais do que aparições autorreferentes, as coisas apontam para os incômodos e desajustes dos lugares onde estão situadas, sejam esses espaços físicos, ficcionais ou psíquicos. Em A coisa em si, a artista dá continuidade a uma série iniciada em 2011 em que sacolas e embalagens aglomeram-se e irrompem em instituições artísticas e feiras de arte. Ao exercerem a dupla função de refugo e símbolo de uma cultura de consumo, acumulação e desperdício, questionam modelos econômicos e o impacto de suas políticas na subjetividade.
Cortesia da artista e da Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel
2016/2018, impressão digital sobre vinil adesivo, placas de poliestireno e cavaletes de madeira, dimensões variáveis
2015-2016, impressão digital sobre papel offset, 40 x 60 cm cada
2015/2016, metacrilato, lambe-lambe, 40 x 60 cm cada
2016, impressão em gabardine e espuma, 30 x 40 cm cada Traplev
Traplev tem realizado uma série de projetos que buscam registrar o momento histórico brasileiro a partir de material jornalístico e notícias compartilhadas em redes sociais. Por meio de narrativas forjadas na disputa semântica, o artista discute as consequências de acontecimentos políticos, como o processo jurídico que resultou no impedimento da presidenta Dilma Rousseff em 2016. Com interferências gráficas e o deslocamento das imagens coletadas no espaço virtual para outras materialidades, ele sublinha as estratégias empregadas pela grande mídia e seus replicadores, tentando formular uma outra narrativa linguística e estética dos acontecimentos políticos.
Cortesia do artista e Sé Galeria
Proposta radical de televisão comunitária, a TV Viva veiculava sua programação de forma itinerante, percorrendo bairros da periferia da região metropolitana de Recife. O grupo foi composto por Adalberto Porpeta, Cláudio Barroso, Claudio Ferrario, Eduardo Homem e Didier Bertrand, entre outros, oriundos da imprensa alternativa e de bairro, onde já realizavam curtas em Super-8 e 16 mm. Em vídeos como O jumento nosso irmão, os realizadores se colocavam em relação direta com a realidade cotidiana e o repertório das populações das regiões onde os programas eram criados e exibidos, discutindo com elas a ideia de representação.
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Publicado no livro Algaravias: Câmara de ecos (1996), o poema traz um eu lírico que recusa a perspectiva de uma identidade fixa, afirmando o descentramento inerente à relação entre o sujeito e o mundo: é a alteridade que constitui a identidade. Multiartista, Waly Salomão surgiu na cena cultural durante a explosão criativa dos anos 60, atuando como poeta, escritor, letrista, produtor musical e diretor artístico. Colaborou, entre outros, com Jards Macalé, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Aqui registrado pelas lentes de Carlos Nader, apresenta-se provocador, inquieto e liberto de amarras.
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